Regressar à escrita de Sainz Borgo sem ser para dar continuidade à saga de Adelaida Falcon foi uma barreira difícil de ultrapassar. Eu queria aquela mulher, fosse imigrada em Espanha, fosse de regresso à Venezuela que a ia comendo viva. E custou-me esta nova realidade. Houve até alguma luta com este cenário árido, mas rapidamente reencontrei a dureza e a brutidade das palavras a quem a autora arranca a pele.
Um casal debicado pelas agruras de um país entregue à miséria e à peste, decidi partir em busca de um outro destino que não o da aflição e do desamparo. A vida já quase lhes retirou tudo, mas deu-lhes dois gêmeos que entre ânsias e pobreza, nasceram prematuros.
O adiantamento dos moços não lhes atrasou a fuga. Angústias Romero sabia que agora tinha ainda mais por que partir. Forte e destemida, embora crente de que "Deus nunca se decidiu a acompanhá-los" fez-se ao caminho com os dois amarrados às costas, enquanto tentavam acabar de cozinhar-se entre suor, poeira e o trapo que os amarrava à mãe. Amarrava mas não os segurou a vida.
E se o deserto já era imenso e agigantou-se perante a morte dos gêmeos.
Mordida pela dor, temos uma mãe determinada a enterrar os seus filhos, já que chão será a única coisa que ainda lhe pode dar, mas temos um pai picado pela serpente do desânimo que ameaça ruir a cada passo. E desmontados cada um à sua maneira, estas duas almas penadas vão em busca de Visitación Salazar, um ser mítico cuja biografia parecia um pai-nosso, uma verdade sem explicações.
E neste baile de almas penadas, neste chão que encerra o queixume dos mortos, a lei de Salazar faz frente à lei de homens violentos e corruptos, os verdadeiros donos de Las Tolvaneras, morada última de tantos que ficaram para trás, cujo destino seria uma sepultura de pó, vento e esquecimento. Mas aqui, neste cemitério, neste Terceiro País, a voz destas mulheres são a única árvore que dão sombra e irão mudar a vida de alguns que ainda serão capazes de se parir de novo.
Porém, o morredouro que circunscreve esta fronteira às portas da efectiva fronteira é terreno para enredos que se cruzam entre o real e o sobrenatural, no entanto, o sofrimento é transversal a vivos e mortos ou não fosse com as palavras de Juan Rulfo em Pedro Páramo que Karina Sainz Borgo decide abrir este livro. Que fazem ainda mais sentido agora que já li ambos.
Sem comentários:
Enviar um comentário