«Toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa, que é não saberem ficar em repouso num quarto.»
Quem o disse foi Pascal, mas Corbin vai mais além, dizendo, logo ao abrir deste pequeno tratado sobre a evolução do conceito de repouso: «É nos momentos de repouso que sabemos no que estamos a pensar.» Porém, arrisco a dizer, após uma leitura atenta, mas em repouso (daquele lânguido de quem se espraia ao sol), o que esta História do Repouso nos deixa a pensar é que a História da Humanidade se cruza, ou se faz, pela da Religião e a da Igreja, a do Dinheiro e da Industria e muito das Modas e Tendências, existindo uma circularidade daquilo que é esperado do ser humano, assim sendo, que espaço lhe sobra para saber no que está a pensar?
Ficamos inclusive a indagar se mesmo quando há espaço para esse encontro com o Eu, se rapidamente não se procuram outras formas de repouso. E a organização secular da sociedade tem variado a oferta. Nem que seja com a missa, a oração, o trabalho ou a demonização da inutilidade, já que repouso teremos muito quando entregarmos a alma ao criador.
E embora as ideias de repouso e descanso dominical tenham herdado muito do advento do cristianismo e pelo qual o autor deambula bastante, há a evolução do conceito de repouso associado ao trabalho e à consequente alteração do mesmo com a revolução industrial, sem esquecer, conforme os séculos foram passando, e consoante os pensadores de cada época, os estados de alma e os temperamentos também ditarão tendências sobre o era o repouso e como se deveria praticá-lo, até entrarmos nas prescrições médicas do repouso como curativo.
“Quando De Maistre descreve os prazeres do confinamento, pensamos logo nos pensamentos de Pascal sobre os benefícios do repouso no quarto. No fim do século XVIII, a teoria dos temperamentos, que associa a circulação dos humores aos traços de carácter, já entrara em declínio; porém, no caso de Xavier de Maistre, podemos sem dúvida, incluí-lo na categoria dos indivíduos de temperamento linfático (…) era um apreciador das delícias da «flânerie» (…) era um entusiasta da «viagem imóvel» e sentia fascínio por espaços fechados, considerados um «refúgio eleito e estável», que convidavam a um repouso longe da vã agitação.”
O repouso como refúgio ou o encontrar refúgio para repousar é mais tarde a ideia base dos sanatórios, fossem para estados de melancolia e para os valetudinários ou outros tipo de inválidos, todos eles “vitimas de um desregulamento geral da saúde”, mais tarde como famigerada cura para a tuberculose e enquanto Corbin vai relatando e referenciando como todas estas passagens do tempo alteraram a História do Repouso, o leitor está sedento do capítulo sobre aquilo que está a fazer no preciso momento da leitura – estatelado ao sol com o livro em jeito de mini-sombrinha – até que se depara com o termo vilegiatura, pára tudo, baixa o livro, olha o mar e apercebe-se que está em vilegiatura, termo pelos vistos utilizado desde o século XVII, isso mesmo dezassete ;) e continua a ler: “(…) deve a vilegiatura marítima ser incluída numa história do repouso? É lícito afirmar que esta novidade alterou, de um dia para o outro, o conceito de repouso?" e entramos um pouco na Anatomia da Melancolia, Robert Burton que nos fica já na lista.
E seguimos com a leitura e percebemos que a prescrição para a vilegiatura pressuponha “estratégias de repouso em sintonia” (e busca) com a quietude, a introspecção e as sensações agradáveis e apaziguadoras do contacto com a Natureza. Sem dúvida muito diferente do que a maioria pratica hoje em dia, ou considera repouso e férias.
Ostentar o repouso e sentir-se contente (e tranquilo) com essa prática, alimentar uma certa inutilidade e preguiça e exigir o direito ao ócio tem sido cada vez mais estudado e alvo de uma atenção redobrada, ganhando o estatuto de necessidade básica, estudos esses em paralelo com outros sobre doenças, criminalidade, suicídio, produtividade, entre tantas outras vertentes da vida moderna, especialmente aquela que faz do repouso (ou lazer) outra tarefa, com horários, tensões e consumo, transformando mais uma vez o conceito de repouso: Porque deixámos de descansar, se descansar faz parte da jornada?
Sem comentários:
Enviar um comentário