A estreia com Edith
Wharton não podia ter sido melhor, «O filho de duas mães» tem uma aura
misteriosa tal como a caracterização de Bernard Berenson sobre a autora e a sua
obra: “Edith Wharton mantêm-se apenas incontactável, num sítio qualquer onde
não a ouvimos e de onde não pode responder-nos. É muito duro, mas não é aquilo a
que chamamos morte.”
É com este pesar e
fascínio que sentimos o enredo, para o qual é difícil encontrar sinopse, embora
as palavras de Berenson funcionem muito bem, cativando o leitor a abrir o livro, e encetada a leitura, tornam-se num prenúncio.
São as palavras de Aníbal
Fernandes que abrem o livro mas eu só as li no final, e ainda bem, encontramos
nelas algumas revelações que eu dispensava antes da leitura, mas achamos também
o medo, a solidão, a opressão e a renuncia, sentimentos dos quais o enredo se
alimenta, e junto com a qualidade da escrita, são a maior experiência de
leitura.
Leitura essa que fiz com
voracidade e sofreguidão, tanta que não me deixou espaço para conclusões
precipitadas ou óbvias, de tão enlaçada que estava. Tanto melhor, ter
acontecido dessa forma. O medo tornou-se real, a opressão apertou-me de
igualmente, a desconfiança gerou dúvida de todos e a solidão, essa, partilhei-a
com qualquer uma daquelas personagens, mas nunca tomei as vezes de narrador e
me senti tentada a antecipar desfechos. Coisa rara em mim. Senti-me
completamente levada pelas sensações de cada uma daquelas pessoas, sem no
entanto favoritar ou desprezar, aliás flutuamos muito por sentimentos
contraditórios, fruto da mestria com que está escrito este «O filho de duas
mães».
A qualidade narrativa
redobrar o estado de confusão do leitor, em muito conseguido pela forma como o
narrador desenha as personagens diante dos nossos olhos, quase dando um
pedestal a estes personagens de sentimentos (e atitudes) indecifráveis.
“(…) dei por mim sentado
ao seu lado e a recordar-me destas coisas. «Pobres criaturas – era como se dois
bustos de mármores fossem quebrados, atirados do alto dos seus pedestais e
esmagados», pensei ao relembrar-me dos rostos do marido e da sua mulher depois
de o rapaz morrer; «e ela, a pobre mulher, foi duas vezes esmagada…”
Se Catherine Glenn tinha
a perfeição de um busto renascentista, já a frieza do mesmo não se lhe podia
atribuir, especialmente à medida que adentramos na história das duas mães e sem
precisarmos do laço taciturno e enfermo do recém-descoberto filho, embora a sua
sensibilidade artística complete ainda mais a percepção que o leitor tem: a
maternidade não é o tema fulcral, mas talvez uma generosa ostentação da solidão. Uma suposta fragilidade.
“Ser verdadeiramente maternizado era para ele uma nova experiência (…) ele era sensível de mais para a classificar (…) resignou-se a olhá-la como alguém que possuía um indecifrável orgulho e uma incorrigível perfeição. (…) Ela é um tema.”
Inebriados seguimos com estas personagens-tema até ao declínio de uma e a ascensão corpulenta de outra, esquecendo
o filho ou o narrador, mas não um outro tema, o do quanto somos colonizados
pelo outro e ansiamos devolver o resultado dessa colonização
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