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quinta-feira, 12 de outubro de 2023

"A História do Riso e do Escárnio" de Georges Minois :: Opinião


Algumas considerações sobre uma leitura salteada mas atenta, deste grande compêndio sobre essa arte tão humana: o RISO!


Premissa para o estudo
: “Não será interessante verificar, por exemplo, que vivemos hoje em dia numa dupla contradição? 

Por um lado, há muito quem tenha a impressão de o riso estar em regressão quando, de facto, ele se mostra em toda a parte; por outro lado, nós rimos cada vez menos, enquanto todas as ciências nos gabam os méritos, mais ou menos miraculosos, do riso.

Compreender o riso é compreender a história da evolução do homem.

O «inextinguível riso» dos deuses. Os deuses riem e riem muito desde a Antiguidade e riram-se de tudo, sendo implacáveis com tudo. O riso serviu todos os propósitos, desde a violência, à deformidade, à cumplicidade e ao regresso à vida.

Do riso dos deuses até à humanização do riso foi um passo filosófico, com um afinamento da linguagem e uma intelectualização: “ao riso homérico, duro e agressivo, sucedeu a partir do século IV, o riso aveludado, sinal de urbanidade e de cultura, o riso finamente irónico Que Sócrates punha ao serviço da busca da verdade.”

Mas atenção, o riso oponha-se ao sagrado, ao equilíbrio, à sensatez e ao autodomínio. E toca de afinar mais uma vez o riso: a sátira. A inteligência da sátira política e a capacidade de auto-escárnio.

“A tomada de consciência do ridículo., do monstruoso e do absurdo no interior do ser gera um soluço caótico e gelado que do riso, já só tem as características físicas: «Instrumento de arte, Visão estruturada do mundo, mas construção, também., de um universo de já do total, o grotesco constitui um instrumento eficaz de uma análise lúcida, por vezes ridícula, mas cruel, do homem absurdo de todos os tempos.» (L. Callebat)

É bem por isso que a comicidade grotesca só aparece num estádio tardio da evolução das mentalidades e da cultura numa dada civilização. Resulta da verificação da incompreensibilidade do mundo, verificação consecutiva a traumatismos coletivos que desfiguram a fachada lógica das coisas que por trás das aparências deram a entrever uma realidade proteiforme* na qual nós não temos poder. O riso grotesco refere-se à própria essência do real, que perde a sua consistência. Verdadeira desforra do diabo, no sentido em que pulveriza a ontologia e desintegra a criação divina, reduzida ao estado de ilusão. Ao lado do riso irónico, verificação do absurdo, o riso grotesco é uma declaração da improcedência; dois risos cerebrais que reduzem o ser ao absurdo ou a aparência.

(*que muda de forma frequentemente)

O riso filosófico e a filosofia do riso perduram séculos e as discussões sobre o riso, do grotesco ao absurdo, passando do satírico à loucura, à estudada ironia, à comicocracia ou à proibição (ou tentativa) do riso, entre tantas outras formas de expressão, compõem séculos de história sobre a maledicência do outro e o prazer a isso associado.

O riso caricaturista «Realiza desproporções e deformações que deviam existir na natureza no Estado de veleidades, mas que, repelidas por uma força melhor, não vingaram. A sua arte, que tem qualquer coisa de diabólico, substitui o demónio que o anjo deitou por Terra».

E, ainda: «O riso é sempre verdadeiramente uma espécie de troça social». Nunca era um prazer puramente estético. Trazia em si: «a intenção inconfessada de humilhar, e com ela, é verdade, a de corrigir». Castigava muito mais a insociabilidade que a imoralidade.”

“Rir é, antes de tudo, uma sanção. Feito para humilhar, deve dar uma impressão dolorosa à pessoa que é seu objeto. A sociedade vinga se por seu intermédio das liberdades que foram tomadas contra ela. O riso não atingirá o seu objetivo, se trouxesse a marca da simpatia e da bondade.” (H. Bergson, 1989)

Por isso o autor afirma que o século XX, esse século horrendo que nunca mais acabava, morreu de riso, soube zombar de si mesmo. Precisava!

“(…) um riso louco (…) um riso nervoso e incontível. O mundo riu de tudo, riu dos seus deuses e dos seus demónios e, principalmente, de si próprio. O riso foi o ópio do século XX, de Dada aos Monthy Pithon. Essa droga suave deu à humanidade um meio de sobreviver às suas vergonhas. Insinuou-se por toda a parte, e o século morreu de overdose – uma overdose de riso quando, depois de tudo reduzido ao absurdo por esse riso, o mundo se achou de novo perante o seu não-sentido original.”

 

O século XXI ameaça o riso com a sua comercialização, globalização e massificação.

O riso virou produto de consumo. Terá validade? Gastar-se-á a fita? Catalogado perderá público? Haverá neste século tendencioso uma ditadura do riso disfarçada de uma qualquer felicidade (obsessão!) de rápido consumo?


“(…) reencontramos nisto a ideia de escárnio universal: o riso como refúgio supremo e recusa das ilusões ideológicas. Mas também aqui o riso voluntário, utilitário e planificado, coagula depressa. A festa contemporânea queria domesticar o riso, mas ele só pode voar em estado selvagem, em pura liberdade.”

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