Páginas

sábado, 11 de novembro de 2023

"O último acto em Lisboa" de Robert Wilson - Opinião


Robert Wilson converteu o género policial num épico, no entanto, tenho a sensação que enfiou o Rossio na rua da Betesga e expressão mais portuguesa não há para aquilo que faz ao longo de mais de 500 páginas. Há uma pesquisa imensurável e Wilson precisou cozê-la toda com ponto bem apertadinho para dar ao leitor uma viagem pela História recente de Portugal, sem esquecer detalhes de todo o género, no entanto, o diabo está nos detalhes. São demasiados. Nomes, referências, ruas, praças, patentes, expressões…. Tanto quantas as incontáveis personagens, mas… lá está, navegamos dos idos de 1990 e troca o passo para uma incursão à Alemanha nazi, para logo a seguir atravessarmos a serrania raiana portuguesa e entrarmos nos meandros do volfrâmio, cruzando a ruralidade inóspita com a ostentação da metrópole e as suas lides de espiões e quando o leitor está quase confortável com o que lê, mais um salto cronológico e a conspiração continua décadas atrás ou à frente e tanto estamos entre oficiais das SS como entre inspectores que tomam uma bica e um pastel e nata enquanto discutem trivialidades de um Portugal à espreita da viragem do século.

É intenso, é complexo, ganha ritmo, mas perde-o logo a seguir com a constante mudança nas personagens e com os infinitos detalhes. Os mal-afamados detalhes ;() Sem esquecer os que se disfarçam, mudam de rosto, de nome, de local… mal sabíamos nós que este «Último acto em Lisboa» era uma saga, embora o autor nos avise, disfarçadamente, pois também a linguagem usada é exímia e mestre do disfarce.

“Cheguei ao topo das gastas escadas de madeira e por instante senti-me como um homem a quem tivessem mandado carregar sozinho um piano.”

E lá vamos nós, empurrando o piano ou como Felsen, “(…) pisando e repisando o mesmo terreno , de tal modo que, se os seus pensamentos fossem passos, teria cavado uma trincheira circular até aos ombros.”

E a mestria do autor é essa, ele pisa e repisar, circularmente, cozendo com habilidade cirúrgica, uma conspiração que atravessa décadas e une as histórias que ao longo de muitas páginas teimam (assim parece) em não se cruzar. Sem esquecer, como estrangeiro que é, de ler, interpretar e escrever com humor, traços tão portugueses, que só nós português parecemos não ver, mas assim descritos tornam-se tão evidentes que não podemos fazer mais nada a não ser: rir!

“- A única coisa que os portugueses põem atrás das costas é a cadeira à hora das refeições. Vivemos com a história como se tudo continuasse a acontecer. Há gente nesta terra que ainda espera que D. Sebastião o Encoberto volte ao fim de quatrocentos anos para nos levar a cumprir Portugal…”

Entre factos muitos distintos, histórias e História, há ainda lugar para humor, roteiro turístico, crimes com investigações à portuguesa, especulações sobre heranças ancestrais, politiquices intemporais e um ou outro comentário romântico de pacotilha com pendor para o drama, ainda assim, a verdade não se escondeu debaixo do colchão como as notas de alguns, firmando a ideia “é tudo uma questão de negócios. O dinheiro não tem moral” ou a “impunidade dos tubarões”.



Sem comentários:

Enviar um comentário