Robert Wilson converteu o género policial num épico, no
entanto, tenho a sensação que enfiou o Rossio na rua da Betesga e
expressão mais portuguesa não há para aquilo que faz ao longo de mais de 500
páginas. Há uma pesquisa imensurável e Wilson precisou cozê-la toda com ponto
bem apertadinho para dar ao leitor uma viagem pela História recente de
Portugal, sem esquecer detalhes de todo o género, no entanto, o diabo está nos
detalhes. São demasiados. Nomes, referências, ruas, praças, patentes,
expressões…. Tanto quantas as incontáveis personagens, mas… lá está, navegamos
dos idos de 1990 e troca o passo para uma incursão à Alemanha nazi, para logo a
seguir atravessarmos a serrania raiana portuguesa e entrarmos nos meandros do
volfrâmio, cruzando a ruralidade inóspita com a ostentação da metrópole e as
suas lides de espiões e quando o leitor está quase confortável com o que lê,
mais um salto cronológico e a conspiração continua décadas atrás ou à frente e
tanto estamos entre oficiais das SS como entre inspectores que tomam uma bica e
um pastel e nata enquanto discutem trivialidades de um Portugal à espreita da
viragem do século.
É intenso, é complexo, ganha ritmo, mas perde-o logo a
seguir com a constante mudança nas personagens e com os infinitos detalhes. Os
mal-afamados detalhes ;() Sem esquecer os que se disfarçam, mudam de rosto, de
nome, de local… mal sabíamos nós que este «Último acto em Lisboa» era uma saga,
embora o autor nos avise, disfarçadamente, pois também a linguagem usada é
exímia e mestre do disfarce.
“Cheguei ao topo das gastas escadas de madeira e por
instante senti-me como um homem a quem tivessem mandado carregar sozinho um
piano.”
E lá vamos nós, empurrando o piano ou como Felsen, “(…)
pisando e repisando o mesmo terreno , de tal modo que, se os seus pensamentos
fossem passos, teria cavado uma trincheira circular até aos ombros.”
E a mestria do autor é essa, ele pisa e repisar,
circularmente, cozendo com habilidade cirúrgica, uma conspiração que atravessa
décadas e une as histórias que ao longo de muitas páginas teimam (assim parece)
em não se cruzar. Sem esquecer, como estrangeiro que é, de ler, interpretar e
escrever com humor, traços tão portugueses, que só nós português parecemos não
ver, mas assim descritos tornam-se tão evidentes que não podemos fazer mais
nada a não ser: rir!
“- A única coisa que os portugueses põem atrás das costas é
a cadeira à hora das refeições. Vivemos com a história como se tudo continuasse
a acontecer. Há gente nesta terra que ainda espera que D. Sebastião o
Encoberto volte ao fim de quatrocentos anos para nos levar a cumprir
Portugal…”
Entre factos muitos distintos, histórias e História, há
ainda lugar para humor, roteiro turístico, crimes com investigações à
portuguesa, especulações sobre heranças ancestrais, politiquices intemporais e um
ou outro comentário romântico de pacotilha com pendor para o drama, ainda
assim, a verdade não se escondeu debaixo do colchão como as notas de alguns,
firmando a ideia “é tudo uma questão de negócios. O dinheiro não tem moral” ou
a “impunidade dos tubarões”.
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