A escrita é o furacão!
“(…) com os cabelos despenteados e as faces rosadas pela emoção, as mulheres da terra benziam-se porque podiam imaginá-la nua, a montar o diabo e a afundar-se na sua verga grotesca até à empunhadura, com o sémen do diabo a escorrer-lhe pelas coxas, vermelho como lava, ou verde e espesso como as mistelas que borbulhavam no caldeirão em cima do lume e que a Bruxa dava a beber às colheradas para as curar dos seus males…”
É entre Bruxas e descendentes de bruxedos que o leitor
andará perdido, entre vilarejos espremidos pelas agruras do progresso e mitos,
tradições e flagelos, tantos flagelos que castigam cada personagem desde o
ventre até à cova. Por isso não é de admirar que a banda sonora deste livro
possa ser «La Llorona», podemos pô-la em repeat e em todas as versões
possíveis. Aliás, recordada a letra desta canção intemporal, encontramos quase um
resumo deste livro.
O desespero e o suplício de alguns é tão permanente que
mesmo a escrita de força ciclónica da autora não chega para descrevê-los, por
isso ela reforça-o com descrições da natureza que os rodeia e influencia.
“Porque de repente o céu ficou negro, encheu-se de nuvens
que um vento súbito atirou contra os montes, fustigando o canavial contra o
chão, e ele pensou que já não tardaria a cair a chuva, e até viu muito bem como
das nuvens escuras surgia de repente um raio mudo que caía sobre uma árvore que
ficou queimada em absoluto silêncio, um silêncio tão espesso que por momentos ele
até pensou que tinha ficado surdo porque a única coisa que conseguia ouvir era
uma espécie de zunido seco…”
Zunido esse que ecoa na cabeça do leitor e tem um efeito ensurdecedor
quanto mais o livro avança e com ele paira o prenúncio de uma tragédia. A
tragédia. Uma muito maior que todas as que vemos acontecer, como pequenos fogos
por todo o lado que acabarão por se unir.
E somos testemunha das várias versões, por isso antecipamos diversas
vezes o horror. Repetimos diversas vezes o desfecho, os abandonos agigantam-se
e derramam-se a tudo.
“(…) ou pior ainda, o frasco se partiria e a beberagem
derramar-se-ia sobre a terra sedenta, ou ainda mais terrível, que da escuridão
surgiria um desses seres malignos que habitavam os bosques das histórias, um chaneque
de rosto enrugado e cabelos ralos que lhes lançaria um esconjuro para as
enlouquecer, ou para as fazer caminhar em círculos por aquele caminho escuro
por toda a eternidade, entre o zumbido enlouquecido das cigarras…”
Não sabemos se foi chaneque, se a beberagem ou uma
granada acabada de despoletar, mas o zunido permanece mesmo depois de fecharmos
o livro. Saímos moídos. Vimos a história engordar a espinhos, calor, álcool e
muita droga, vimos também o desamor, a desconfiança, a violência… as pessoas. Vemos
mesmo as pessoas e é assustador ver tantas vidas desperdiçadas naquele que é um
retrato que revela raiva, mas também muita angústia de quem se pergunta se a
escuridão dura para sempre.
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