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sexta-feira, 8 de junho de 2018

«Submissão» de Michel Houellebecq - Opinião

Wook.pt - Submissão

Paris, 2022, François, professor universitário:  "Gostava de apanhar o metro pouco depois das sete da manhã, de ter a ilusão de pertencer à «França madrugadora», a França dos operários e dos artesãos, mas devia ser praticamente o único a gostar disso, porque dava a aula das oito horas a uma sala quase deserta, à excepção de um grupo compacto de chinesas, todas de gélida seriedade..."

Seriedade é palavra dúbia e carregada de metáforas nos livros de Houellebecq. Quem leu mais do que um livro do autor percebe que cada linha que ele tece, é preenchida com mais do que um duplo sentido. E todo este livro é uma critica constante à sociedade (desatenta, amorfa e despolitizada), mas, e sublinhe-se o mas, em certas alturas parece uma ode a atitudes racistas e misógenas. Por isso, a forma como o livro descreve o crescendo da extrema-direita ou a forma como a Fraternidade Muçulmana conquista terreno no cenário político francês, parece de leve aceitação por parte do professor. 

"- Sim, teoricamente és machista, sem dúvida. Mas tens gostos refinados: Mallarmé, Huysmans, e isso afasta-te definitivamente do simples machista. Além disso, tens uma sensibilidade anormal para escolher tecidos para a casa. Em contrapartida, veste-te sempre como um labrego. Enquanto personagem macho grunge, até podias ter uma certa credibilidade; mas não gostas de ZZ Top, sempre preferiste Nich Drake. Em resumo, és uma personalidade paradoxal."

São diversas as vezes que a sociedade ocidental é resumida a uma massa desatenta, amorfa e despolitizada, muito crente na sua liberdade, mas sem mais preocupações, contrastando com o resto do mundo: "- O que acontece - prosseguiu ele . é que a maior parte das pessoas vive a sua vida sem se preocupar com estas questões, que lhe parecem exageradamente filosóficas (...). Quer dizer, é assim no Ocidente; porque por toda a parte no resto do mundo é em nome destas questões que os seres humanos morrem e se matam (...)."

"(...) convencido muito cedo de que, na maior parte das vezes, a transmissão do saber era impossível, que era extrema a diversidade das inteligências, e que nada poderia suprimir ou sequer atenuar essa desigualdade fundamental."

Essa desigualdade fundamental é um raciocínio pouco abonatório para a personagem. No entanto, cedo percebe onde o autor quer chegar. A submissão está iminente e, à semelhança do tão estudado Huysmans, encarará certas mudanças como uma recusa, até desejada, e própria do tédio burguês:
"(...) o fardo da existência individual desapareceria." Seria apenas necessário garantir a existência do prazer, mas a fé islâmica até isso lhe proporcionava.
Mas será a poligamia suficiente para a sociedade ocidental aceitar a expansão muçulmana e a sua consequente submissão?

Chega a parecer que sim, pois as restantes equações ele resolve-as todas. A retirada da mulher do mercado de trabalho, o entorpecimento dos media, a educação controlada e subsidiada pelos desígnios da fé, o petróleo como patrocinador máximo da economia e a integração de grandes demografias (Turquia e Egipto) para a Europa... 

A decomposição repugnante da Europa Ocidental era a justificação máxima para se abraçar a submissão ao islão, religião irmã, mais recente, mais simples, mais autêntica.


«Submissão» é um livro fácil de ler, mas julgo estar repleto de camadas e interpretações, onde as opiniões do personagens se confundem com a realidade actual e é isso, que em parte, o chega a tornar assustador.

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