Em «A Morte do Papa», Nuno Nepomuceno consegue transpor acontecimentos da década de 80 para a actualidade, socorrendo-se das valências da tecnologia para mover a intriga nos meandros da expiação online, conseguindo assim uma trama intensa e totalmente actual.
O enredo ganha ainda mais expressão por tocar em polémicas que têm colocado o Vaticano debaixo dos holofotes dos media e misturá-los com a crise de migrantes, a violência, a dificuldade de integração ou a exploração sexual. Junto a esses, o autor reaviva ainda a memória do leitor, trazendo do passado, o escândalo do Banco do Vaticano e o desaparecimento da filha de um dos responsáveis do "Santo" Banco. E ainda, é claro, os crimes de abuso de menores, a corrupção e a eleição polémica de que serão alvo a maioria, se não todos, os conclaves.
"Os problemas do mundo irão chegar ao fim quando todas as nações, em harmonia com as leis que regem os direitos de autor, obrigarem a que o Antigo Testamento seja prefaciado: Esta é uma obra de ficção. Por favor, mantenha-a longe das crianças.", Albino Luciani, 13 anos
É inspirado pela vida e as palavras de Albino Luciani, o Papa João Paulo I ou Papa Mateus I, como é designado no livro, que Nepomuceno guia o leitor por uma história intensa e desde cedo acompanhada pela obscuridade da famosa composição de Tartini, il trillo del diavolo avisando-nos para a negritude que acompanha a eleição e o mais curto papado da história do Vaticano. Em 33 dias vultos e conspirações cercam Mateus I, temendo o que ele poderá contar ao mundo, sabendo os cardeais que este Papa tem muito a dizer sobre aquilo com que não concorda e que acontece dentro das fronteiras bem guardadas pela Guarda Suiça.
"A primeira vez fora a mais difícil de suportar. Houve muita dor mas não só devido à penetração. O que lhe custou mais naquela hora foi a humilhação que sofreu, a forma violenta como o cliente lhe cuspiu em cima e o esbofeteou, no rosto, no rabo, chamando-lhe nomes cujo o significado desconhecia, até ejacular várias vezes para a sua cara. No fim, deu-lhe um tabefe carinhoso. Fora um bom menino. (...)
No fundo para Nasir acabava por ser um pouco indiferente. (...) Bastava que se esforçasse e Alá iria ajudá-lo. Principalmente, se fizesse com que esquecesse o que acontecia todas as noites naquelas ruas de Roma."
Para explorar essas fronteiras e o que de podre transborda os muros do secretismo, chegam-nos personagens já conhecidas, como o professor Catalão e a jornalista Diana, mas também oficiais da Guarda Suiça, Cardeais corruptos, um escritor, um migrante sírio e personagens virtuais que minam a opinião pública socorrendo-se das modernices mediáticas. Desta forma, o autor cria um enredo onde os suspeitos do costume são postos à prova, mas não se esquece do sofrimento das minorias ou do lado mais familiar, atribuindo múltiplas perspectivas para se olhar as vários flagelos actuais.
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