Neste novo regresso de Afonso Catalão, mas também de Adam Immanuel, a trama de «A Morte do Papa» ganha continuação neste «O Cardeal», alimentando novos enredos que desembocam em crimes que ganham inspiração em mais factos reais, tal como os episódios nos meandros dos conclaves polémicos.
As areias movediças que são os escândalos da Santa Sé e dos seus supostos santos padres são novamente expostas às mais actuais, mas já batidas, criticas. A religião católica está em crise e já não é surpresa! A violência, a homossexualidade, os conclaves tendenciosos e certas ocultações de verdades, ou apenas meias-verdades, fazem novamente parte do enredo e aqui separa-se pouco do livro anterior.
Ainda assim, o livro é rico em detalhes e descrições que pretendem relembrar o leitor dos episódios dos livros anteriores, posicioná-lo geograficamente desde Lisboa, Cambridge ou o Vaticano e esclarecer muito bem quem é quem, mas senti que isso atrasa mais o enredo do que lhe imprime o ritmo habitual de um thriller, especialmente até atingirmos a segunda parte, ou o topo, e nesse aspecto compreendo a escolha do autor, que nas palavras de Andy Andrews nos avisa logo que a subida vai ser mais lenta e menos recheada de novidades.
"Todos desejam atingir o pico, mas não há qualquer crescimento no topo de uma montanha. É no vale, onde nos esforçamos arduamente por progredir pela relva luxuriante e pelo solo rico, que aprendemos e nos tornamos capazes de atingir o nosso novo cume."
Este aviso também dá uma perspectiva mais humana e mais terrena às decisões dos personagens, e isso é visível nas fragilidades que vários personagens apresentam, como é o caso de Catalão que acusa uma maior dependência da família e sente a pressão dos seus fantasmas. Porém, isso não os diminui em nada, mostra é ao leitor as diferentes preocupações com decisões mais ou menos estratégicas e isso também é dito, quase de forma profética, logo muito no início, com a fábula sobre o burro e a moral que decidiu retirar da história:
"É quando todos os outros estão a olhar para o lado que devemos desferir o nosso ataque."
Moral essa que pode ter várias interpretações face a alguns eventos que ocorrem com certas personagens.
Um detalhe em que «O Cardeal» difere dos anteriores, é intensificando a dimensão mais humana que o autor dá à maioria das suas personagens, explorando esses vales em que cada um caminha e os picos dos quais é tão fácil tombar; carregando menos na violência e nitidez dos cenários dos crimes como aconteceu em «Pecados Santos» e diminuindo o lado histórico e interpretativo das religiões, como em «A Célula Adormecida» (o meu favorito), no entanto, não deixa de fora o simbolismo associado a muitos aspectos da religião, a actualidade que fervilha com polémicas e alguma critica social.
Ainda assim, sente-se saudades de um enredo onde se sofra junto com as personagens ou se vibre com o ritmo do enredo, como senti com os títulos anteriormente citados. Ou então todo um novo elenco e outra paisagem para vermos mais um salto na carreira do autor.
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