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quinta-feira, 31 de agosto de 2023

"A piscina" de Libby Page :: Opinião


Sou uma amante de praia e de dias que envolvem mergulhos e o som do mar como única companhia. Adoro o efeito da água salgada no cabelo, a areia no pé, os desenhos que ficam de nos deitarmos na areia e o terminar de qualquer dia é sempre melhor se for com uma caminhada à beira-mar, maré bem vazia (e a praia também, de preferência) e o sol a cair e transformar tudo aquilo em que toca apenas já por breves momentos. Ler à beira-mar, de cadeirinha enterrada na areia molhada… Enfim, podia continuar a descrever cenários que envolvem a praia, porque a piscina, sendo pública e municipal e tem regras, mas mesmo assim, é um espaço onde cada vez mais recorro para recarregar baterias e nivelar os humores 😊

E o mesmo se passou com este livro «A PISCINA» de Libby Page, que em boa hora as minhas queridas Rodistas me chamaram à atenção para ele, por isso, de todas as vezes que o abria foi como se desse um mergulho na minha piscina, aonde regressei em plena pandemia e por lá me tenho mantido, seja para treinar ou relaxar. No meu pote com papelinhos coloridos, que são notas de gratidão, de um ano para os outros, reencontro inúmeros agradecimentos por mais um mergulho e a água fria que tantas vezes (ou quase sempre!) é curativa.

Contudo, «A Piscina» não é só para os fãs de mergulhos em águas frias, lycras justas e tocas apertadíssimas que comprimem o cabelo e as ideias 😉 são também para quem queira uma história leve, que ainda assim toca em temas sensíveis, como a perda, o luto, a ansiedade ou a falta de confiança em nós mesmos e sensibiliza para a importância de equipamentos públicos que criem espaços de convívio e partilha e assim se fomente um maior sentimento de comunidade. E pelo meio, conhecemos Rosemary, numa idade em que já só se flutua, ou dentro de água ou nas memórias e é aí que a conhecemos jovem e percebemos o quanto uma simples piscina acompanhou e definiu a sua vida familiar, como pode agora definir a de kate.

“Chega sempre com antecedência, mas só se sente mesmo confortável quando a luz diminui e, como ela, todos se perdem no filme. Estica o pescoço para o ecrã e vê a comédia romântica, o thriller, o filme de espionagem escolhido este mês., chorando ou rindo em coro com os outros espectadores. A emoção flui pela sala como uma onda. quando assiste a um filme, não está sozinha, faz parte de algo maior, um rosto sem nome numa grande plateia de rostos sem nome.”

Esta massa humana e tantas vezes incógnita no seu todo, também pode estar na piscina, naquela orquestra de barbatanas, pás, mãos e pés nus, que dialogam com os guinchos das crianças, o chapinhar dos brinquedos que flutuam, as gargalhadas a ecoar maia alto que a música das aulas, um burburinho incessante que apenas sossega a cada mergulho quando a água nos devolve a um silêncio desfocado pela respiração tantas vezes sustida em esforço.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Regressar à escrita de Sainz Borgo sem ser para dar continuidade à saga de Adelaida Falcon foi uma barreira difícil de ultrapassar. Eu queria aquela mulher, fosse imigrada em Espanha, fosse de regresso à Venezuela que a ia comendo viva. E custou-me esta nova realidade. Houve até alguma luta com este cenário árido, mas rapidamente reencontrei a dureza e a brutidade das palavras a quem a autora arranca a pele. 

Um casal debicado pelas agruras de um país entregue à miséria e à peste, decidi partir em busca de um outro destino que não o da aflição e do desamparo. A vida já quase lhes retirou tudo, mas deu-lhes dois gêmeos que entre ânsias e pobreza, nasceram prematuros.

O adiantamento dos moços não lhes atrasou a fuga. Angústias Romero sabia que agora tinha ainda mais por que partir. Forte e destemida, embora crente de que "Deus nunca se decidiu a acompanhá-los" fez-se ao caminho com os dois amarrados às costas, enquanto tentavam acabar de cozinhar-se entre suor, poeira e o trapo que os amarrava à mãe. Amarrava mas não os segurou a vida. 

E se o deserto já era imenso e agigantou-se perante a morte dos gêmeos.

Mordida pela dor, temos uma mãe determinada a enterrar os seus filhos, já que chão será a única coisa que ainda lhe pode dar, mas temos um pai picado pela serpente do desânimo que ameaça ruir a cada passo. E desmontados cada um à sua maneira, estas duas almas penadas vão em busca de Visitación Salazar, um ser mítico cuja biografia parecia um pai-nosso, uma verdade sem explicações

E neste baile de almas penadas, neste chão que encerra o queixume dos mortos, a lei de Salazar faz frente à lei de homens violentos e corruptos, os verdadeiros donos de Las Tolvaneras, morada última de tantos que ficaram para trás, cujo destino seria uma sepultura de pó, vento e esquecimento. Mas aqui, neste cemitério, neste Terceiro País, a voz destas mulheres são a única árvore que dão sombra e irão mudar a vida de alguns que ainda serão capazes de se parir de novo. 

Porém, o morredouro que circunscreve esta fronteira às portas da efectiva fronteira é terreno para enredos que se cruzam entre o real e o sobrenatural, no entanto, o sofrimento é transversal a vivos e mortos ou não fosse com as palavras de Juan Rulfo em Pedro Páramo que Karina Sainz Borgo decide abrir este livro. Que fazem ainda mais sentido agora que já li ambos.