"A tristeza no meu peito parecia subir e descer de acordo com... com o quê? Não sabia.
E o tempo mantinha-se frio, lúgubre.
Sobre o meu trabalho, eu pensava: nunca mais escrevo uma única palavra."
Mas ainda bem que escreveu! Ainda bem que Elizabeth Strout continuou este saga de Lucy Barton, pois para mim é como reencontrar pessoas que conheço (que vou conhecendo e de quem gosto) e sinto que me conhecem a mim, tal é a forma brilhante como a autora consegue captar sentimentos e sensações, narrando esta coisa de amar que em tanto parece diferente, mas que facilmente encontra semelhantes.
"Quase sempre, predominava a tal sensação de estar debaixo de água; de nada me parecer de verdade.
(...) A tristeza que subia e descia em mim era como as marés."
Foi dessa forma que a pandemia invadiu as nossas vidas, mergulhando-nos a todos em dúvidas e preocupações, afastando-nos com uma onda esmagadora que só pela força das marés seguintes quis contrariar o que poderia ser o destino e foi-nos deixando recuperar aos poucos. E é precisamente sobre afastamento e reaproximação que Strout nos fala neste quarto livro onde reencontramos Lucy e William, as filhas do casal e as memórias que teimam em surgir numa época mais que propícia a isso: o confinamento.
"«A minha infância inteira foi um confinamento. Nunca via ninguém e nunca ia a lado nenhum.» E a verdade desta constatação atingiu-me em cheio nos intestinos e o William olhou simplesmente para mim e respondeu: «Eu sei, Lucy.» Disse-o de maneira automática, sem pensar nas minhas palavras, pelo menos foi o que achei."
Algumas dessas memórias permitem atravessar melhor esses dias quase desertos, outras bem que podiam não ter sido convocadas. Por isso, a pandemia afectou-nos de formas tão díspares. E uso sempre tempos verbais que me incluam, porque os livros de Strout são isso mesmo, viagens que fazemos com estes personagens que vão dentro de nós.
"O Sol ia alto no céu azul, perto dele as nuvens brancas pareciam entufadas e, de repente, num ápice, o Sol escondeu-se atrás de uma das nuvens e alterou a aparência do mundo (...)"
O Sol aqui é a escrita de Strout, exímia em evocar nuvens que transformam pequenos entendimentos do nosso mundo, nem que seja o nosso pequeno-mundo-bolha de leitor.
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Opiniões anteriores:
- «Oh, William!»
- «Tudo é possível»
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