O melhor deste livro: O imaginário de Mathias Malzieu que deu origem à animação e às ilustrações de Benjamin Lacombe.
O pior: é mesmo a tradução. Francamente custa-me dizê-lo, mas parece que quem traduziu não se deixou seduzir pelo universo meio mágico, meio atrapalhado e bizarro de Malzieu, cuidando pouco a tradução, poetizando menos ainda e inclusive com partes que na nossa língua farão menos sentido.
Todo o livro é em formato de coração. Uns gélidos, outros de ferro, outros de madeira... uns mais humanos outros menos, uns com baralhos estranhos, compassados, descompassados... Enfim, corações!!!
Jack é um Eduardo mãos de tesoura mais moderno, ou nem tanto, já que o seu mecanismo é tão inovador e tecnológico quanto um antigo relógio de cuco, instalado por uma falsa artesã de soluções milagrosas para defeitos físicos. Complexo? Nada. Muita imaginação, alguma bizarrice e até alguma infantilidade, num universo gélido e meio negro, mas recheado de musicalidade ou não fosse a sua paixão, o chilrear da mulher com traços de ave.
O que se diz deste livro e do universo do autor pode nem sempre levar à leitura do seu livro, mas recordo o efeito inebriante e apaixonante que senti quando li -
METAMORFOSE À BEIRA DO CÉU - e se na altura, curiosamente um ano antes, foi capaz de considerar:
Mathias é um mágico, com uma varinha ritmada e acelerada capaz de, num piscar de olhos, metamorfosiar o leitor, expande-lhe os sentimentos, transborda-lhe os pensamentos, mete-lhe os olhos, o coração e os pés... no céu!
Malzieu é um arquitecto do surreal, um paisagista do céu, um viajante inquieto, um sonhador desajeitado, assim como Tom Hematoma «Quanto mais caía, mais popular me tornava».
É como se Mathias fosse uma pessoa e Malzieu fosse outra, mas que se completam ardilosamente e genialmente, dando origem a esta fábula sobre liberdade.
Hoje perante a leitura deste que foi o seu primeiro livro, não posso dizer que tenha sentido nem metade deste arrebatamento.
Fica a dúvida se o problema está todo na tradução e falta de poética dada a este primeiro romance (já que tal é inquestionável na tradução de Tânia Ganho, aquando do segundo livro do autor) ou se na realidade, o autor estaria a preparar-se e a limar as arestas de toda uma arquitectura bordada a penas de pássaro e cheia de rendilhados góticos.
Quem lê ambos os livros, percebe a estrutura comum, as paixões do autor, a fixação com as aves e as suas particulares, a música, a sonoridade, as transformações alucinatórias que podemos sofrer, mentalmente, quando queremos experimentar novas sensações, sentimentos... ou simplesmente tentar ter a vida que sempre quisemos.
O universo fantástico (e eu não aprecio fantástico) do autor é negramente belo, se é que me faço entender. Sim, ele pega em alguns caprichos de criança e mistura com desejos de adulto, mas tudo de uma forma um pouco bizarra, mas nunca olho a que seja "sexual", mas por outro lado, há toda uma ideia repleta de "sem sentido" que vai camuflando alguns problemas sérios e sentimentos muito complexos, como é o caso de Madelaine para com a criança que não é seu filho... No entanto, a falta de cuidado com a linguagem, cansa e desagrada, fazendo esquecer a paixão, o primeiro amor, a primeira desilusão amorosa... tornando tudo ridículo e despropositado. É uma pena. Pode ser que numa reedição, a tradução fique a cargo da Tânia Ganho, que tão brilhantemente tornou seu este universo de Malzieu!