"És tu Sophie...Foste sempre tu"
São os olhos astutos e desafiadores de Sophie, imortalizados num quadro de cores vivas pelo pincel do seu marido Édouard, que liga dois planos temporais separados por quase 100 anos e nos quais ficamos presos e emocionados mas cientes de que a esperança e a determinação são as melhores armas para seguir em frente.
Num primeiro plano conhecemos Sophie, que sobrevive em plena 1ª Guerra Mundial, com os homens da família longe, especialmente o seu marido Édouard, o pintor que conheceu e com quem viveu em Paris antes de a Guerra se espalhar pela Europa. Mais interessante que a conhecer neste tempo, é ter acesso às memórias, aos seus flashbacks de jovem provinciana a viver e trabalhar na capital Francesa. Achei deliciosos os detalhes de como Édouard e Sophie se foram conhecendo, de como ele pintou o tão famoso quadro e de como, na realidade, Sophie se tornou a mulher forte e desafiante que ficamos a conhecer.
Embora não possua extensos conhecimentos sobre ambas as Guerras, é do conhecimento geral a pilhagem dos bens por parte do exército alemão, sendo os objectos de valor ou de carácter revolucionário, os primeiros a serem confiscados. No entanto, Sophie consegue sempre manter o quadro "A Mulher que deixaste para trás" no seu estabelecimento, mesmo quando o Kommadant a passa a ter debaixo de olho e os oficiais alemães começam a frequentar o espaço.
(vou confessar que desenvolvi algum apreço pela personagem do Kommandant. Errado ou não, é a verdade!)
Este lado da história, se assim pudermos chamar, foi o que mais me cativou. Aquela ideia que "o que será que vai acontecer de mal a seguir" roeu-me até altas horas da noite. A natureza tempestuosa e desafiadora de Sophie é o seu principal actrativo, mas por vezes, existem atenções que não devemos direccionar para nós e para os que nos são próximos. Sabemos que nem tudo é o que parece e por vezes, acometidos pela coragem ou pura estupidez, conhecemos pessoas capazes de arriscar a própria vida para obter o que querem. Com Sophie é assim e quando já estamos apegados à personagem, a temer pelas consequências dos seus actos e a luta inconsciente para voltar a estar com o marido, somos abruptamente sugados para o presente para conhecer Liv, deixando Sophie suspensa no tempo.
Liv acorda com os olhos d"A mulher que deixaste para trás" pousados nela, como que a desafia-la a sair da cama. Viúva de um homem brilhante que o destino ceifou muito cedo, Liv deambula por uma Londres agitada sem grandes objectivos de vida para além de ter dinheiro para suportar as contas exorbitantes que tem e manter vivo o legado do marido.
No momento crucial em que está a dar pequenos passos na direcção correcta para sair do luto auto imposto e quando a sua autoconfiança regressa devagar, é confrontada com a luta pelo quadro, tendo no lado oposto do tabuleiro o homem que tão recentemente entrou na sua vida.
A permanência desta obra na sua vida, assim como a do homem que lhe ocupa os pensamentos parece não ser possível em simultâneo e qualquer uma das opções terá efeitos devastadores para Liv.
Talvez por ter abandonado um personagem tão forte algumas páginas antes, não me senti imediatamente ligada a Liv neste tempo que me é familiar.
Aqui são as personagens que a rodeiam que me animam, que me despertam o interesse na história e no destino do quadro.
Na realidade é Paul, responsável pela empresa que irá resgatar o quadro para os familiares do pintor, o personagem em quem centro as minhas preferências nesta segunda metade do livro. Um homem interessante e curioso, sobre o qual temos um insight detalhado desde as primeiras cenas em que aparece e que, mesmo sobre a pressão de não saber o que fazer e tentar tomar a decisão correcta, tem das atitudes mais brilhantes (embora um pouco loucas) que não se consegue encontrar em muita gente actualmente.
No entanto, ao desenvolver um óptimo personagem masculino, acho que a autora descurou em Liv e em outra personagem, que como é secundária, acaba por perder um pouco o brilho e até a presença na narrativa.
Desta história tiramos personagens tão ricos que ao conhece-los sentimo-nos mais completos. Já tinha tido essa impressão quando conheci Will em "Viver depois de ti" e aqui, levamos um pouco de cada personagem, até daquelas pelas quais pensamos ser improvável nutrir qualquer compaixão ou carinho. Eu levo a sagacidade de Sophie, o génio de Edouard, a resistência de Liliane, desejo de ser apenas humano do Kommandant, a dedicação de Liv, o desenrasque de Mo e a paixão de Paul.
A autora leva-nos à angustia de querer saber o desfecho das duas histórias, a de Sophie e de Liv. Para uma assumimos à partida um fim trágico, tão comum na época e para a outra, que vive num mundo actual e mesquinho, uma completa devastação dos seus bens mais queridos, da sua confiança recém restaurada e nas possibilidades de um futuro pleno e livre de injustiças.
Quando ao destino do quadro, que observou todos os intervenientes ao longo da história e dos anos que andou de mão em mão, foi angustiante ter de esperar até quase à última página para saber como acabam as coisas.
Um lindo romance que nos faz pensar em dois planos temporais diferentes mas que conjuga muito bem as idas e vindas no tempo, no entanto, não consegue destronar o "Viver depois de ti"
Deixo uma nota: o nome do livro em português foge um pouco ao conteúdo, torna até o quadro na personagem central do livro (o que na minha opinião até não está errado) no entanto, "The girl you left behind/A Mulher que deixaste para trás"" faz uma referência mais abrangente às personagens femininas e é igualmente o título do quadro. Mas eu sempre embirrei com traduções de títulos de filmes e livros.
Uma leitura com o apoio