Importa começar por dizer que Hans Küng é teólogo e que João Paulo II o proibiu de dar aulas de Teologia em 1979, no entanto, a este teólogo rebelde ninguém o tem impedido de pensar, seja sobre a eutanásia e os dogmas do catolicismo, mas mais que tudo fala de fé, da sua fé: "(...) mas eu tenho a convicção de que a morte não me levará ao nada, mas a uma realidade última e será um caminho interior, por assim dizer, levando à realidade mais profunda, a partir da qual, então, descobrirei uma nova vida."
São questões teológicas, mas também muita introspecção sobre a sua própria forma de avaliar a dignidade humana, a doença terminal, o sofrimento atroz e claro, o lado ainda mais pessoal que são as mortes de entes queridos que marcam e moldam a forma de olhar a morte como uma fase da vida.
“A vida transforma-se, não nos é tirada (…). Não se trata de um acabar nem, muito menos, de um perecer, mas de um consumar: a pessoa finita entra no infinito.»
Küng também aborda a mudança de opinião, que com o passar do tempo há quem defenda a prática do suicídio assistido, como quem ao ver essa fase da vida mais próxima de si, muda de opinião: "(...) perante a incerteza e a ignorância completas do que há para lá da morte. A monstruosidade da morte operada por acção própria surge perante a alma com uma atitude ameaçadora. Os sentimentos mudam [...])"
Os sentimentos mudam, é verdade de certeza, bem como a experiência pessoal quando confrontados com a dureza e a desumanidade da doença, aquando dos cuidados paliativos, e desses Küng também fala, e pergunta se a vida deverá ser isso, essa perda de dignidade e sofrimento tal que leva alguns ao suicídio, alguns, os que conseguem. Porém, há imensos presos a camas, totalmente dependentes, incapazes de pôr fim à vida mesmo que assim o desejem. E os familiares, os cuidadores: o sofrimento deles, a responsabilidade e até a culpa.
Tais questões que levanta e procura responder, desejando um aprofundamento maior, no amplo sentido de se compreender que a eutanásia é também uma "assistência na passagem para a morte", aliás a ética mundial tem vindo a formar um quadro de princípios éticos e morais que assenta precisamente sobre esse acto como um acto de responsabilidade pela vida digna.
Falando de religião, prática médica, Alzheimer, a decisão de jejuar até morrer ou esclarecer a etimologia da palavra "eutanásia", são tudo temas dentro deste relato muito acessível e lúcido que espelha, essencialmente, a vontade de um homem em chamar à atenção para o sofrimento insuportável dos doentes e da família, tentando tornar o tema menos controverso.
"Muitas pessoas fazem actualmente a experiência de uma despedida alongada pelos sucessos ambivalentes da medicina no que se refere ao prolongamento da vida na doença. Mas, quando o ser humano se despede na passagem para a morte, quando se interrompem todas as suas relações exteriores, extinguindo-se por vezes órgão após órgão (...) entra numa nova relação, oculta para nós. Vita mutatur, non tollitur. A vida transforma-se, não nos é tirada."