Resposta: Para ti, mas não para ti:
para mim; para ti em mim.”
J. M. COETZEE, A Idade do Ferro
Pelas palavras de Coetzee entramos na vida de Natacha e George B. e desde cedo sabemos que muito dos outros ficou dentro deles. Em parte, um muito que ficou por resolver e com quem fazer as pazes.
Embora as circunstâncias sejam muito distintas, fruto daquilo que não se controla; ambos estão exilados, não obstante serem livres. As suas acções estão presas ao passado, ao medo, à solidão, mas essencialmente ao medo de ter medo, de se magoarem ainda mais, de não saberem com quem contar.
Assim, o livro divide-se porque os dois caminharão em sentidos opostos, George B. não vai superar o seu isolamento, mas Natacha vai florir e abrir-se ao mundo e às pessoas. No meio, conheceremos as histórias de cada um deles e de quem ou o quê, os moldou a serem satélites. E pensamos...
De quantos satélites se compõe a nossa história? Quantos orbitam perdidos no espaço escuro e imenso que são as memórias e o passado? Quantos se tornam lixo espacial? Ou especial?
E o que é que os satélites têm a ver com a história? Muito! Os satélites e o espaço. O vazio!
Quanto desse vazio não é uma fuga a uma raiva prestes a explodir, por anos de diferenças e indiferenças acumuladas?
E essa talvez seja uma das respostas que mais depressa obtemos, há uma raiva calada, mascarada e parcialmente sossegada, mas quanta dela também contribui para essa indiferença?
Com é apanágio dos livros do Tordo, no meio da solidão, há a dúvida e o desassossego atordoante da depressão, sem esquecer as intempéries de uma cidade que calcam o humor dos personagens e Nova Iorque dá-lhes isso tudo, mas este enredo tem ainda uma casa sufocante de um acumulador e um apartamento mínimo com o AC avariado, um trabalho entediante de ler em voz alta a lista telefónica e algumas décadas de emoções por escavar.
Muitas das emoções estão associadas à diferença, sentida quase como uma incapacidade que os pode tornar miseráveis, segregados, postos à margem - e as diferentes formas de sentir isto, mesmo que por motivos tão distintos como os de Natacha e George ou até mesmo Hector, tornam-nos em versões de si mesmos. George B. é como se algures no tempo tivesse existido numa versão A. Natacha, antes e depois da gaguez ou com os Sputniks nos pés, um suposto super-poder que acaba por funcionar como distração.
“Eu tinha apenas vinte anos quando tudo isto aconteceu. Uma rapariga dessa idade julga-se forte, mas é imensamente vulnerável aos abalos emocionais. Fiz de tudo, então, para me desinteressar dele, da sua narrativa e da minha natural curiosidade; devagarinho, as coisas perderam urgência, e entrei num processo involuntário de abrandamento, facilitado pelo facto de ter interrompido o trabalho.”
Nesse _processo de abrandamento_ e por contraste à _insuportável posição de fragilidade_ de George B. os contornos da história avançam, adentrando no passado e Tordo tem uma capacidade – negra, certeira e acutilante - de mixar as rememorações com os presságios que moldam futuros, condenando a já moribunda recuperação de alguns personagens, mas desencadeando também um olhar do leitor sobre si mesmo, pois mesmo quando um livro do Tordo não nos convence tanto, encontramos pedaços de nós e dos outros que orbitam à nossa volta
"No amor, acontece quase sempre isto, pensei. Encontramos uma pessoa e nesse momento ainda temos uma porta por fechar atrás de nós; permanecemos no vão das escadas, e essa nova pessoa é uma porta entreaberta à nossa frente. Levamos algum tempo a fechar a porta que ficou para trás, a sair do patamar, a dar o passo em frente. Se, por acaso, nos forçam, se tentam empurrar-nos, se nos acossam, o mais provável é que fiquemos parados nesse vão durante muito tempo. Às vezes, a vida inteira.”
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Leia mais opiniões aos livros de João Tordo, aqui. Obrigada!
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