terça-feira, 30 de março de 2021

«A única história» de Julian Barnes :: Opinião


Se o romance for uma escada sem degraus é uma rampa ascendente ou descendente? E onde nos leva?

Julian Barnes escreve-nos uma história de amor que começa de forma arrebatadora, pois nenhum deles sabia estar disponível para amar; Casey Paul pela tenra idade e alguma inocência e Susana por achar que na sua idade, já não amaria mais. No entanto, este amor, que dura décadas, é encarado de forma diferente para cada um deles e até para uma terceira pessoa que pode ser qualquer um deles caso se ponha a olhar de fora para aquela relação, uma relação que marcará a reputação de ambos na pacata vila do clube de ténis.

"Compreender o amor é para mais tarde, compreender o amor raia o sentido prático, compreender o amor é para quando o coração arrefece. O amante, extasiado, não quer compreender o amor, quer experimentá-lo, sentir a intensidade e o olhar sobre as coisas, o acelerar da vida, o egocentrismo totalmente justificado, o desaforo lúbrico, a prosa alegre (...)"

E julgo que o livro pretende precisamente isso: compreender o amor, fazer um balanço de como arrefeceu a relação e o peso que daí resultou. No entanto, falta-nos, faltou-me a mim, a perspectiva de Susan, ela é uma presença apagada, uma presença ausente, cujo a dependência do álcool a tornou numa presença corrosiva e falhada, deixando o leitor na dúvida sobre o peso da culpa dentro desta relação, seja a de Susan, seja a de Casey Paul, fazendo o leitor questionar sobre que mais existia dependência. 

"(...) não vi o pânico que estava dentro dela. como podia adivinhar? Pensei que era só dentro de mim. Vejo, já tarde, que ele está em toda a gente, é condição da nossa mortalidade. Temos códigos de conduta para o dissipar e reduzir, anedotas e rotinas e tantas formas de alheamento e diversão, mas há pânico e desordem à espera de irromper em todos nós (...)"

Ficamos a pensar na verdade e no lado pelo qual é narrado essa verdade, juntamente com a culpa e uma tristeza crónica, presente em quase tudo o que é narrado nas entrelinhas deste amor. Tal como os períodos bons e de euforia, que afirma ter existido, este relato, caótico e ao sabor da memória, dá-se mais aos momentos chave em que "o tronco racha a direito até ao veio" ou seja, os momentos em que a perda da inocência causou ruptura e crescimento, um confronto com a realidade, como as considerações do sexo triste:

"Sexo triste é ela estar drogada com um comprimido para animar, mas eu pensar que, se a foder, posso animá-la um pouco mais. Sexo triste é eu estar tão desesperado e a situação tão sensível à pré-história, tão agressiva e o próprio equilíbrio da alma tão incerto (...) Sexo triste é sentir que estou a perder o contacto com ela e ela comigo, mas que essa é uma maneira de dizermos um ao outro que a ligação ainda lá está, (...) que nenhum de nós desiste (...) Então descubro que insistir na ligação é o mesmo que prolongar a dor."

E a dor, essa dor tão intensa e corrosiva, que mesmo diminuindo tanto as expectativas deste amor, torna o que aqui é narrado numa leitura em sofreguidão mas sem saber muito bem do que realmente se gosta ou do porquê de nos sentirmos tão apegados a esta única história.
Faz-nos pensar se parte desta "única história" não é para além do amor, ou seja, a própria culpa e o pânico aliado à idade e ao medo, quando se ouve muito alto o "ranger das dobradiças".