quarta-feira, 8 de abril de 2020

«Bowie, uma biografia» de María Hesse :: Opinião



Every time I thought I'd got it made
It seemed the taste was not so sweet

Com um verso de «Changes» de 1971 podemos, talvez, traçar uma linha que acompanhou todo o universo visionário que sempre acompanhou Bowie. Por isso, e usando esse mesmo traço que divide de forma muito ténue realidade e ficção, María Hesse e Fran Ruiz desenharam e narraram uma biografia que espicaça o leitor fã, colocando-o a voar por entre décadas de boa música, influências e tendências sociais que se infiltraram sempre nas composições e performances do artista. 

"Por isso, e porque estamos conscientes de que uma biografia é, inevitavelmente, uma obra de ficção, decidimos misturar passagens da vida real de Bowie com elementos fantásticos. (...)
Apresentar as coisas apenas sob um único prisma por muito honesto que este tente ser, pode revelar-se mais enganador do que uma visão fragmentada e ambígua."


As I ask you to focus on

Sailors fighting in the dance hall

Oh man, look at those cavemen go

It's the freakiest show

Bowie é um mundo e é difícil resumi-lo em algumas linhas, as músicas e as ilustrações só ajudam a navegarmos cada vez mais longe.

Ainda criança e com o pai que lhe mostrou a música como uma nave na qual podia viajar sempre que quisesse, Bowie começou a perder-se por entre sonoridades que já o começavam a delinear como o músico que viria a ser, no entanto, a convivência o irmão a sofrer de doença mental e numa cidade onde ainda se brincava entre escombros, desde logo quis fugir ao tédio e ao cinzentismo do quotidiano.


A entrada no mundo artístico e nos palcos teve influências variadas fruto das novidades que foram os anos 60 e 70, com ressonâncias tão diversas como Muddy Waters, Little Richard, Velvet Underground ou Leonard Cohen. 

Se o álbum «Space Odity» revela ao mundo o ser alienígena que procura revelações nos círculos mais eléctricos da ficção científica, as influências do budismo ou a voz de Cohen, pedem-lhe outras variações. Mas nada foi tão forte no início da sua discografia do que o amor versus o tédio do casamento e da fidelidade, junto com o lado esquizofrénico do seu irmão que por extensão o afectavam e o faziam questionar tudo e toda a "contaminação social e política" fruto dos tempos revoltosos e conturbados da época de 70.
As mudanças em direcção ao universo de Ziggy Stardust e o álbum «Hunky Dory» marcado pelo nascimento do primeiro filho, marcam de certeza a primeira década discográfica de Bowie, fechando-a com a "trilogia berlinense", onde o tom experimental, a cidade fragmentada, as margens da sociedade e a alucinação das drogas (e a amizade com Iggy Pop) estiveram presentes até «Ashes to Ashes», uma declaração de intenções para fechar um ciclo e entrar na década de 80 como numa nova era.


"They'll split you're pretty cranium and fill it full of air."

A entrada nos anos 80 foi marcada pelo divórcio, pelo reatar da relação com o filho e pela mítica e eterna "Let's Dance", no entanto e apesar de ter sido um êxito milionário, Bowie viu-se a ser criticado pelo lado mais pop comercial. Mas Bowie considerou-a uma plumagem diferente e tão necessária à constante transfiguração do artista. O início nos anos 80 também fica marcado pela parceria e amizade com Frddy Mercury e o hit «Under Pressure", que por disparidades contratuais com a editora RCA da qual Bowie se queria desatar, ficara para os Queen.

Estar na linha da frente da industria pop valeu-lhe criticas e o constante foçar na sua vida pessoal, no entanto isso não se atravessou no caminho criativo que nos valeu, a nós ouvintes e fãs, a eterna e maravilhosa "Absolute Beginners". Os anos 80 são também marcados pela tour «Glass Spider», uma monstruosa performance que de tão grandiosa se tornou exigente para o artista e os músicos que o acompanhavam, revelando o tédio e a solidão associada à fama, especialmente a pós a morte do irmão Terry ter morrida e a sua ausência no funeral ter despertado uma onde de indignação e críticas. 

A década de 90 arranca e fica marcada pelo casamento com Iman Mohamed Abdulmajid, a mulher que viria a acalmar "o alienígena isolado num planeta onde nunca se tinha encaixado", fase essa também marcada pela introspecção sobre a sua forma de criar e se: "Quanto da minha arte não passará de uma tentativa de entender a doença do meu irmão?" 



Antes do virar do século Bowie dedica-se também à pintura, ganhando algum destaque em 1995 aquando a sua primeira exposição individual. Este fim de século é marcado por outro facto muito importante, recupera direitos dos seus primeiros discos e dessa forma do seu antigo agente Tony Defries. Há ainda, todo um novo universo cheio de possibilidades e ofertas para explorar: a Internet!

Nos anos 2000 a sua discografia é marcada pela reflexão social, política, filosófica e pelo 11 de Setembro, num misto de plenitude que tem na  sua vida conjugal com Iman e a filha Zahara, no entanto, a doença cardíaca marca um fim antecipado em 2003 naquela que seria a sua última tournée. 
Em 2013 e após um silêncio complemente inusual para Bowie, espanta todos com o lançamento de «The next day» centrado nas suas inquietações, mas faltava ainda o disco da plenitude e de despedido: «Blackstar» 

We live closer to the earth
Never to the heavens
The stars are never far away
Stars are out tonight


Em suma, este livro só faz uma coisa: abrir ainda mais a curiosidade e a admiração por este homem alien camaleão único eterno e sempre, mas sempre "an absolute beginner"

*

 Fica uma possibilidade de playlist

domingo, 5 de abril de 2020

"O Meu Mapa de Ti"

Diz a letra de uma música que "A House is a not Home" porque quem faz um lar são as pessoas que o compõem, aqueles que nos preenchem os dias, aqueles que nos amam e por quem vivemos. Sim, nós também somos parte integrante do nosso próprio lar mas infelizmente há momentos na nossa vida em que essa noção sofre alterações, se perde ou se desvanece até não restar nada que faça sentido.

Para Holly Wright o seu lar era apenas uma casa alugada em Londres, onde vivia desde o momento em que se viu sozinha no mundo. Ao contrário da sinopse apresentada na contracapa do livro editado em Portugal pela Editorial Planeta, eu acho que a da versão em inglês me cativou muito mais para a leitura.


"Holly Wright teve alguns anos difíceis. Após a morte da mãe, Holly tornou-se numa especialista em manter as pessoas à distância - incluindo o seu namorado, Rupert. Mas quando Holly recebe uma carta inesperada que a informa que uma tia, que ela nunca conheceu, lhe deixou uma casa na ilha grega de Zakynthos, os muros que ela construiu começaram a desmoronar. Ao chegar à ilha, Holly conhece Aidan e lentamente começa a descobrir a verdade sobre o segredo que destruiu sua família. Será a ilha o lugar onde Holly realmente pertence? Ou será que a vida real lhe vai passar a perna?"
(tradução feita pela Elsa) :P

Sem revelar mais "spoilers" sobre a história acho que é preciso aquela informação relevante sobre o passado de Holly para compreender a sua vida em Londres, a sua relação com o Rupert e a reacção ao facto de ter herdado uma casa numa ilha grega com ar de paraíso (sim, vão googlar Zakhintos)
O primeiro pensamento de qualquer pessoa seria "OH MEU DEUS, OBRIGADA!" mesmo que no cantinho da vossa mente estivesse um "quem raio é esta tia e porque me deixa uma casa se nunca me viu".

Para Holly foi mais uma pedra a cair na superfície aparentemente estável do lago que se tornou a sua vida, pronta para criar ondas desnecessárias e trazer ao de cima o que quer que estivesse escondido no fundo.
A sua incapacidade de ser verdadeira consigo mesma e com o seu passado, acompanham-na naquela que poderia ser só uma viagem de férias à Grécia mas que se torna num enorme deja-vu e o principio de algo mais.
Podia dizer que "O meu mapa de ti" é um romance leve, daqueles que gostamos de ler estendidas ao sol num dia de verão mas a viagem de auto-descoberta de Holly, a exploração geografia e temporal dos segredos da família e o impacto que o passado e presente têm na personagem principal, são bem capazes de mexer convosco, assim como mexeram comigo. Acho que tenho andado demasiado afastada dos livros e das vidas dos personagens :P
  
Faz imenso tempo que não me sento para escrever uma opinião a um livro. Mais do que meses, talvez já tenha passado um ano.
As justificações são tantas que não saberia por onde começar e encontro na história de Holly uma semelhança. Existem paixões, passatempos ou talentos que temos que são um tremendo conforto e algo que gostamos imenso de fazer mas sem saber bem porquê, deixamo-los esquecidos numa mala debaixo da cama ou numa prateleira a ganhar pó.
E assim como Holly, também eu tenho de voltar a meter as mãos ao trabalho, não a escrever emails profissionais mas para deixar os meus dedos teclarem furiosamente enquanto o meu cérebro lhes envia sinais, por vezes a um ritmo avassalador, sem parar para pensar, em visão em túnel para não me distrair e assim deixar que tudo o que me vêm à cabeça passe efectivamente "para o papel".

"O meu mapa de ti" veio tirar-me do marasmo de leitura e embora ainda não esteja ao nível de entusiasmo, interesse e velocidade habituais, já me sinto muito mais a leitora que sempre consumiu linhas escritas em livros e despejou outras tantas em opiniões escritas quase imediatamente após fechar o livro e sorrir para a contracapa.

Os livros foram e serão sempre um bálsamo. E se este me fez parar e olhar para o tempo de chuva lá fora enquanto lia sobre o céu azul de Zakhintos e as suas maravilhosas vistas, é a sensação de liberdade de agarrar na mochila e meter-me no próximo voo para as ilhas gregas que mais me doí cá dentro nestes momentos incertos e enclausurados que vivemos neste momento. 
Que a realidade de acordar com vontade de viajar e não descansar enquanto não marco um bilhete de avião esteja a pouco tempo de distância, que a normalidade que tanto demos por garantida nos possa ser restituída em breve e que este tempo de isolamento, controlo e incerteza nos torne mais agradecidos, solidários e a conscientes.

E até lá, deixo-vos embalados com a Ella 


"O meu mapa até ti" é uma aposta