sábado, 23 de junho de 2018

"Extremamente alto e incrivelmente perto" de Jonatham Safran Foer :: Opinião

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Mais de dez anos separam os romances "Extremamente perto e incrivelmente alto" de "Aqui estou", mas eu não não precisei sequer de um mês para devorar ambos os livros. A escrita de Foer é altamente marcante. O autor cria narrativas entrecortadas no tempo, que fazem o leitor sentir-se à deriva. Afinal o foco dos seus romances é a família e quantas vezes os dramas familiares não são isso mesmo: um imenso mar onde tudo choca, tudo balanceia e se revolve, aguardando por marés mais calmas, mais apaziguadoras. 

"As palavras já se tinham esgotado quando conheci a tua mãe, talvez tivesse sido isso a tornar o nosso casamento possível, ela nunca teve de me conhecer."

A sensação de não conhecer perdura no leitor por muito tempo, diria até que navegamos sem rumo por mais de uma centena de páginas. A dificuldade de ligar as histórias e saber quem é quem parece propositada, só Oskar nos vai encaminhando e puxando para o presente. E mesmo assim, a forma acelerada e complexa como funciona a sua cabeça, em modos de quase-cientista, ajuda a compor uma autêntica sinfonia com toda a restante família.

"As minhas botas estavam tão pesadas que me senti contente por haver uma coluna por baixo de nós. Como podia uma pessoas tão solitária ter vivido tão perto de mim durante toda a sua vida? (...)
Isso fez-me começar a perguntar-me se haveria outras pessoas tão solitárias assim tão perto. Pensei em «Eleanor Rigby» (título de uma canção dos Beatles). É verdade, de onde vêm todos eles? E onde pertencem?"

 A solidão é uma constante. É uma tempestade avassaladora. Oskar perdeu o pai nos atentados do 11 de Setembro e a sua luta é tentar sentir-se mais perto dele, todos os dias. Oskar não o quer esquecer, não se quer desfazer de objectos do pai, não quer que a mãe prossiga com a sua vida. E mais, quer desvendar um mistério por detrás de uma chave misteriosa. E isso levá-lo-à a confrontar-se com a solidão dos outros, as suas emoções mais retraídas e a crescer em mais direcções do que aquelas em que já cresceu para a sua pouca idade de onze anos.

"Outra coisa que também me surpreendeu foi o caixão não estar fechado à chave, nem sequer pregado com pregos. A tampa só estava assente em cima dele (...). Isso não me pareceu bem. Mas, por outro lado, quem iria abrir querer abrir um caixão?
Abri o caixão.
Fiquei outra vez surpreendido, embora, mais uma vez, não devesse ter ficado. (...) Ou talvez ficasse surpreendido por ele estar tão incrivelmente vazio. Pareceu-me olhar para a definição de vazio no dicionário."

A variação no discurso é complexa e leva-nos até diferentes personagens que convergem para o passado. O passado, mais ou menos longínquo, é constantemente invocado através cartas dispersas, umas guardadas, outras lançadas ao acaso e ainda outras eternamente à espera de encontrarem coragem para as selar e seguir o seu caminho. 

A memória e o passado atravessam esta narrativa com a mesma força com que Oskar se empenha na sua busca. "Extremamente alto e incrivelmente perto." é um livro desafiante, recheado de peripécias e uma boa dose de humor negro, devido à forma como Oskar olha e comenta o mundo à sua volta. E é ainda um livro carregado de emoções que ora nos faz olhar ao nosso umbigo, fazendo-nos reflectir, ora nos abre os olhos para uma dimensão muito maior do mundo. 

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Opinião "Chama-me pelo teu nome"

 Embora não seja costume ler o livro depois de ver a sua adaptação, não resisti em comprar este romance de André Aciman e de voltar aos idílicos meses de verão sob o sol italiano, tão repletos de paixão, mal entendidos, medos e experiências marcantes. Queria confirmar se o primeiro pensamento que tive, que esta história era uma coisa linda e livre de julgamento, se mantinha com a leitura.


Elio é um miúdo com 17 anos no corpo mas muitos mais na alma. A educação e a liberdade que os pais lhe deram fazem-no viver com a complexa tarefa de pensar e sentir como alguém mais velho mas não é por isso que deixa de ter coisas da sua idade.
Quando o mais recente visitante de verão chega para passar 6 semanas, Élio oscila entre a necessidade de agradar e a demonstração casual de indiferenca que por vezes lhe é característica mas que também esconde algo mais.
Oliver, nos seus plenos vinte quatro aproveita a oportunidade para trabalhar no seu livro enquanto ajuda o pai de Élio, isto tudo numa estadia que eu dava um dedo do pé para poder usufruir.

E o que começou com uma secreta atração unilateral transforma-se em algo profundo, capaz de derrubar as barreiras que eles próprios ergueram entre ambos, capaz de os fazer sair da sua própria pele.
Uma história de amor, desejo, culpa, dúvida e intimidade. Uma que me deu um gozo enorme conhecer e que me deixou rendida à beleza que os olhos de Élio captam naquelas semanas. Beleza essa que não se perde nem nas cenas mais in your face

E aquelas últimas 30 páginas mexeram comigo, tanto como quando vi o filme.
Não vos quero roubar a beleza pura de uma conversa em específico mas quando chegarem lá vão perceber. Ou talvez seja preciso ter passado pela nossa cota parte de amores, desamores, dúvidas e julgamentos para ver nesta história a beleza que lhe é inerente.
A verdade é que demoramos tanto tempo a perceber quem somos e vivemos tanta coisa em vidas paralelas à que levamos diante da grande maioria das pessoas que nos rodeia que é bom saber que há quem consiga, sem falácia ou moralidade, apoiar-nos no bom e no mau, no certo e no incerto.
Termino com um sorriso, uma lágrima e esta frase:

"Arrancamos tanto de nós próprios só para nos curarmos das coisas, mais depressa do que deveríamos, que entramos em falência por volta dos trinta anos e temos menos para oferecer de cada vez que começamos com alguém novo"

"Chama-me pelo teu nome" é um dos meus livros preferidos e chega a Portugal pela mão do Clube do Autor

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Opinião "Os Altos e Baixos do meu Coração"


Molly apaixonou-se 27 vezes e em quase 100% dos casos, o alvo do seu afecto nem sequer sabia que ela gostava dele, como é que ela se chamava ou sequer que ela existia!
Quem nunca teve uma paixão secreta que mande a primeira pedra.
Molly simplesmente temia o mesmo que todos nós, seja qual for a nossa idade...
SER REJEITADA e ter de lidar com isso.
A adolescência é por si só uma época de altos e baixos mas o que fazer quando é o nosso coração que parece ter entrado numa montanha russa?

Molly manteve essas paixões secretas ao longo dos seus 17 anos mas o seu grupo de amigas, composto por Cassie, Olivia e a Abby, estiveram sempre a par de tudo e insistem que eventualmente ela precisa de arranjar um namorado, ou pelo menos, de beijar alguém.
Abby, a sua prima, mudou de cidade e agora namora Nick. Já os conhecemos no livro do Simon e são uns queridos. Não leram? Vão ler! E depois ver o filme!
Para Cassie, a sua irmã gémea, apaixonar-se é tão simples como respirar. Confortável na sua pele e na preferência por raparigas, Cassie leva a vida a um ritmo diferente da irmã cujo excesso de peso e falta de confiança em si mesma a fazem retrair e a impossibilitam de ver até que ponto a exposição lhe pode trazer frutos.

Pela mesma altura em que Cassie conhece a sua nova namorada, Mina, e se perde na fase de lua de mel de uma nova relação, Molly segue meia desamparada pelos eventos que se sucedem, especialmente quando na sua vida, até então cheia de coisas platónicas, aparecem dois potenciais candidatos a fazer florescer no seu coração algo mais que um "crush" passageiro.
Quem nunca se viu com um pretendente, o que faz quando de um momento para o outro percebe que tem dois?
Será que ela vai escolher bem? 
Por quem vamos nós torcer?

"Estou deitada ao lado do Will.
E do Reid.
Acho que o meu coração não quer ficar no meu peito"

A autora consegue dar-nos uma história que nos faz sorrir pela sua doçura e actualidade. Pegando em algo que trago da história do Simon só posso dizer:
"Todos merecemos uma grande história de amor"
E é exactamente isso que pensei enquanto lia a história de Molly. Não é o peso, a altura, a origem, a história familiar, o nariz torto, a preferência sexual ou a nossa geekness que nos rotulam de incapazes de amar e ser amado, somos nós próprios que nos deixamos etiquetar e que colocamos rótulos em nós próprios, que não são nada mais, nada menos que limites à nossa capacidade de sermos nós mesmos, livres e felizes.

Espero que gostem deste livro de Becky Albertalli. Eu gostei mais de ler a história do Simon mas gostos são gostos.
"Os Altos e Baixos do meu Coração" é uma aposta

sexta-feira, 8 de junho de 2018

«Submissão» de Michel Houellebecq - Opinião

Wook.pt - Submissão

Paris, 2022, François, professor universitário:  "Gostava de apanhar o metro pouco depois das sete da manhã, de ter a ilusão de pertencer à «França madrugadora», a França dos operários e dos artesãos, mas devia ser praticamente o único a gostar disso, porque dava a aula das oito horas a uma sala quase deserta, à excepção de um grupo compacto de chinesas, todas de gélida seriedade..."

Seriedade é palavra dúbia e carregada de metáforas nos livros de Houellebecq. Quem leu mais do que um livro do autor percebe que cada linha que ele tece, é preenchida com mais do que um duplo sentido. E todo este livro é uma critica constante à sociedade (desatenta, amorfa e despolitizada), mas, e sublinhe-se o mas, em certas alturas parece uma ode a atitudes racistas e misógenas. Por isso, a forma como o livro descreve o crescendo da extrema-direita ou a forma como a Fraternidade Muçulmana conquista terreno no cenário político francês, parece de leve aceitação por parte do professor. 

"- Sim, teoricamente és machista, sem dúvida. Mas tens gostos refinados: Mallarmé, Huysmans, e isso afasta-te definitivamente do simples machista. Além disso, tens uma sensibilidade anormal para escolher tecidos para a casa. Em contrapartida, veste-te sempre como um labrego. Enquanto personagem macho grunge, até podias ter uma certa credibilidade; mas não gostas de ZZ Top, sempre preferiste Nich Drake. Em resumo, és uma personalidade paradoxal."

São diversas as vezes que a sociedade ocidental é resumida a uma massa desatenta, amorfa e despolitizada, muito crente na sua liberdade, mas sem mais preocupações, contrastando com o resto do mundo: "- O que acontece - prosseguiu ele . é que a maior parte das pessoas vive a sua vida sem se preocupar com estas questões, que lhe parecem exageradamente filosóficas (...). Quer dizer, é assim no Ocidente; porque por toda a parte no resto do mundo é em nome destas questões que os seres humanos morrem e se matam (...)."

"(...) convencido muito cedo de que, na maior parte das vezes, a transmissão do saber era impossível, que era extrema a diversidade das inteligências, e que nada poderia suprimir ou sequer atenuar essa desigualdade fundamental."

Essa desigualdade fundamental é um raciocínio pouco abonatório para a personagem. No entanto, cedo percebe onde o autor quer chegar. A submissão está iminente e, à semelhança do tão estudado Huysmans, encarará certas mudanças como uma recusa, até desejada, e própria do tédio burguês:
"(...) o fardo da existência individual desapareceria." Seria apenas necessário garantir a existência do prazer, mas a fé islâmica até isso lhe proporcionava.
Mas será a poligamia suficiente para a sociedade ocidental aceitar a expansão muçulmana e a sua consequente submissão?

Chega a parecer que sim, pois as restantes equações ele resolve-as todas. A retirada da mulher do mercado de trabalho, o entorpecimento dos media, a educação controlada e subsidiada pelos desígnios da fé, o petróleo como patrocinador máximo da economia e a integração de grandes demografias (Turquia e Egipto) para a Europa... 

A decomposição repugnante da Europa Ocidental era a justificação máxima para se abraçar a submissão ao islão, religião irmã, mais recente, mais simples, mais autêntica.


«Submissão» é um livro fácil de ler, mas julgo estar repleto de camadas e interpretações, onde as opiniões do personagens se confundem com a realidade actual e é isso, que em parte, o chega a tornar assustador.