segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

«O Século da Solidão» de Noreena Hertz :: Opinião

 

“Eu aninhada no corpo dele, o meu peito encostado às suas costas, as nossas respirações sincronizadas, os pés entrelaçados. Foi assim que dormimos mais de 5000 noites.

Mas agora dormimos em quartos separados. Durante o dia, bailamos em ziguezague a dança da distância dos dois metros. Abraços, carícias, beijos, a nossa estenografia diária, agora proibida; «fica longe de mim» é a minha nova manifestação de ternura.”

Podia ser o início de um romance, tendo como pano de fundo a pandemia mundial que a todos confinou. Uma pandemia também de isolamento que a todos trouxe medo e uma outra dimensão da solidão e tantas questões de foro psicológico levantou, juntamente com uma constatação: este é O Século da Solidão e a culpa não foi da pandemia, como tão bem nos elucida Noreena Hertz ao longo de uma boa dezena de capítulos onde percebemos quão longos são os tentáculos da solidão.

Contrariando a ideia de global, de maior conexão, de mais informação disponível, melhores condições e maior esperança de vida e de toda a modernidade do nosso século, a verdade é que tudo parece contribuir para que sejamos só mais um ratinho solitário numa roda movida a pilhas inesgotáveis que nos torna cada vez menos sociáveis, mais tribais e mais zangados. Nunca a busca por sentido foi tão complexa e vasta, alimentada por tanta informação dispersa e desconectada. Numa era onde tudo pode ser personalizado, também a solidão atingiu números assustadores e conclusões científicas tão claras e alarmantes: a solidão consegue ser medida no quanto é nefasta e tóxica num corpo e permite afirmar: a solidão mata!

“(…) a nossa capacidade de nos sentirmos sós e a nossa dor e inquietação quando nos sentimos distantes de outros seres humanos, são uma brilhante característica evolutiva. «Nunca devemos querer desligar o estímulo da solidão», disse John Cacioppo (…)”

“Por um lado, um corpo solitário é um corpo stressado: é um corpo que se fatiga facilmente e está excessivamente inflamado. (…) Com a solidão crónica, não existe interruptor para desligar que lembre o corpo que se deve acalmar. Por isso, a inflamação induzida pela solidão pode tornar-se crónica - «o novo normal». (…) a solidão é um tipo de stress que pode amplificar maciçamente os efeitos de outros stresses. (…) Um estudo influente sugeriu que a solidão prejudica o funcionamento de várias glândulas endócrinas que segregam as hormonas em todo o corpo e estão relacionadas com a nossa resposta imunológica.”

O mundo actual padece de solidão e o seu eco propaga-se a todas as dimensões da sociedade. Explicando diversos fenómenos, como por exemplo o aumento da viragem para a aceitação de políticas extremistas, mas também a exploração da solidão como negócio. Os exemplos são variados e Hertz relata episódios dos mais variados países e classes sociais para que percebamos que a solidão está generalizada e apresenta-se à frente dos nossos olhos das mais variadas maneiras. Cabe-nos observamo-nos bem, a nós mesmos e aos outros e agir: «fazer para não perder!»

 

“Para Arendt, o totalitarismo «baseia-se na solidão […] que é uma das mais radicais e desesperadas experiências que o Homem pode ter.»

Encontrando os seus adeptos nas pessoas cuja «principal características […] não é a brutalidade nem a rudeza, mas o seu isolamento e a sua falta de relações sociais normais», ela argumenta que, para quem «sente não ter lugar na sociedade, é na entrega do seu eu individual à ideologia que o solitário redescobre o seu propósito e amor-próprio.»”

A bibliografia é vasta e detalhada e as leituras são inúmeras para o leitor que quiser mais informação além da aqui compilada por Hertz, embora apenas esta leitura já possa desencadear um sem número de pensamentos e acções com vista ao objetivo proposto pela autora: reconectar, recuperar o sentido de comunidade, partilhar, repensar e agir.

Precisamos agir!

Precisamos recuperar ligações com os que nos rodeiam, desde a família, aos vizinhos, aos colegas de trabalho ou ao simples acto de falar com desconhecidos, quebrando a corrente da era digital e deixando o “sem fios” apenas para os dispositivos eletrónicos, sendo capazes de nos desligar da coisa certo ou seja, fugir ao chicote digital das redes sociais e tantas outras aplicações que mascaram as relações interpessoais.

A epidemia do século é a solidão e é disso que precisamos ter consciência, compreendendo até onde chega essa doença e como afecta a todos. A todos, mesmo! E só assim poderemos actuar.

Sendo assim, anote algumas ideias-chave: é preciso restaurar o conceito de comunidade e humanizar as cidades e bairros; queira participar activamente no seio de sua comunidade; é preciso reaprender a conversar para “discutir” melhor; olhar os outros nos olhos para nos sincronizarmos uns com os outros; abraçar, abraçar mais e mais prolongado, pois abraçar cura; sentir-se útil por participar, pertencer, cuidar e ser cuidado; informe-se melhor para compreender melhor e aceitar, mas também para desconfiar menos; tire os olhos do telefone e foque-os no mundo à sua volta; cuide da sua saúde física e mental sem medos; avalie aspectos negativos do que o rodeia, especialmente no trabalho e avalie para equilibrar melhor o binómio vida-trabalho.

Em suma, para equilibrar uma série de aspectos nas nossas vidas modernas o melhor será mesmo fazer algumas coisas à moda antiga!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

«A Psicologia da Estupidez» de Jean-François Marmion :: Opinião

"«O bom senso é a coisa mais partilhada do mundo», escrevia Descartes. Então e a estupidez?"

Em jeito de advertência, Jean-François Marmion, compilou uma série de textos de altas personalidades na análise da estupidez e em muitas outras questões inerentes à existência do ser humano, para nos alertar para o facto de que somos todos um bocado estúpidos (mesmo que inteligentes!). Pois só um estúpido reconhece outros estúpidos!

São mais de duas dezenas de textos, para tipificar a anatomia dos estúpidos, a fim de afirmar que a armadilha da estupidez é por vezes habilmente tecida e estrategicamente composta, levando individualmente um estúpido a engrandecer a sua estupidez, aderindo às massas que se metamorfoseiam em nome de ideias adulteradas, a tolice obstinada e a arrogância que cega.

"O estúpido por excelência condena sem apelo, de imediato, sem circunstâncias atenuantes, fazendo apenas fé nas aparências que, além disso, ele se limita a vislumbrar por entre os seus antolhos. Sabe mostrar-se zeloso para reunir os seus semelhantes, incitar ao linchamento, em nome da virtude, das conveniências, do respeito. O estúpido caça em matilha e pensa como uma manda."

Por entre uma manada de teorias espreme-se o lado científico que explica as atitudes dos estúpidos: "Ele tem dificuldades em compreender que a sorte é a interpretação que o estúpido dá às probabilidades" e começamos logo a rir e a constatar que realmente somos todos um bocado estúpidos, afinal quem é que não nomeia constantemente a sorte como escapatória para um comportamento, afinal, estúpido?

Abra bem o radar, pois as conclusões vão deixá-lo ainda mais sensível à estupidez. À sua e à dos outros, já que a teoria também explica que: "(...) é graças ao expediente de negatividade que somos capazes de detectar mais rapidamente um estúpido do que um génio num meio social complexo."

Claro que no capítulo dedicado à tipificação e em mais uma ou outra entrevista podemos perceber que, para além da estupidez ter vários níveis, tipologias e graus de imunização do sujeito estúpido, há todo um complexo índice de proporções quando falamos em estupidez colectiva. E essa é a mais preocupante. Seja pela forma como eleva a estupidez de cada indivíduo ou, quando em massa, tornando os actos galopantes e até descontrolados. Ou viralizando, estendendo os tentáculos numa escala desconhecida. 

Os tentáculos analisados nos vários textos tocam aspectos tão banais, como a simples tolice e idolatria quase inocente do tolo teimoso, mas inofensivo do que outros e depois exemplos mais sofisticados e maquiavélicos que estrategicamente alimentam teorias da conspiração e esta era do pós-verdade e da manipulação pela redes sociais. Por isso, temas como as eleições americanas, a vacinação, o coronavírus, a desinformação e o culto do falso, a idolatria fácil e instável, o negócio da felicidade ou os crescentes nacionalismos, são terrenos férteis par analisar comportamentos estupidificantes. Mas também se analisam livros, filmes, séries e temas em geral que estão presentes no nosso quotidiano e nesses casos as entrevistas são excelentes pontos de partida para o debate.

É importante também referir que são vários os textos que fazem a ponte entre a estupidez e outros traços de personalidade, sem esquecer o peso das emoções e até as terapias e a necessidade constante de autoanálise, relembrando que se a estupidez é uma armadilha, o tempo também o é: "(...) mesmo quando encontramos o tempo certo para interagir com o passado, nunca conseguimos alterá-lo." (Adelino Cunha) 

Em suma, é um livro ao qual devemos de vez em quando voltar, para que não nos percamos numa certa cegueira de achar que um produto acabado.