sexta-feira, 12 de abril de 2019

O Arquipélago do Cão» de Philippe Claudel - Opinião


Um livro SEXTANTE

Pode este arquipélago usar a intensidade sufocante da ilha para se tornar num bom thriller? Philippe Claudel diz que sim e afirma ainda que a investigação atravessa toda a narrativa, não para se desvendar o crime, mas para revelar a mesquinhez e a passividade que altera os homens bons em seres medíocres e corruptos. 

"A morte dos três jovens negros não ocorrera na ilha. O mar abandonara-os na costa como se fossem madeiras que flutuavam. Ninguém os conhecia e as suas vidas de outrora nunca tinham tido qualquer contacto com as vidas dos habitantes da ilha. Só a morte os fizera cruzarem-se, mas isso não era uma razão suficientemente forte para que o quotidiano dos vivos fosse afectado." 

"O Cão está ali (...). Preparado para retalhar a imensidão azul-cobalto, longa e pálida, que o mapa cobre de números, que indicam as profundidades (...). As suas mandíbulas são duas ilhas encurvadas, a sua língua também, e os seus dentes, uns pontiagudos, outros maciços, outros afiados como punhais. (...) A vida na ilha provém do vulcão (...) Chamam-lhe o Brau. O nome tem uma sonoridade bárbara (...)"

«O arquipélago do cão» serve-se da parábola para figurar a actualidade da emigração e apontar o dedo à inércia de uma Europa envelhecida. O autor avisa-nos e coloca-nos naquele local, afirmando que fazemos parte dele. No entanto, a solidão árida e típica da ilha, envolta no odor a peixe e na miscelânea de cheiros de um vulcão adormecido pode não ter esse impacto no leitor.

O Cão, desumanizado pelas estações agrestes e pela emigração, simboliza uma comunidade de pessoas que estão conformadas e acomodadas à vida que levam, por isso, o autarca, o padre, a velha professora e os pescadores encarnam mais do que uma personagem, eles são o espelho das camadas da sociedade. Serem anónimos é o que lhes confere transversalidade, para que o leitor encontre semelhantes e desvende as metáforas inerentes às suas palavras, descrições e atitudes. 

"- Que querem que vos diga? Pensam que porque sou padre sei mais do que os senhores? (...) Se me fizessem perguntas sobre abelhas, poderia responder-lhes (...) - Aprendi muito com elas e o milagre do mel continua a deslumbrar-me. Se Deus existe está no mel! Foi isso que descobri em sessenta e nove anos de vida e cinquenta de sacerdócio. (...)
A religião cansava-o. Havia quem pensasse que ele próprio já não acreditava muito nela. Continuava a fingir, para não abandonar as suas últimas ovelhas, que, porém, chocara um dia durante o sermão, ao dizer-lhes que Deus partira, num regime de pré-reforma. (...) Está num processo de cessação progressiva de actividade. E a culpa é nossa."

Sempre a culpa. A tragédia grega envolta em culpa cristã. E se até Deus rescinde que sobra àquela comunidade? Um apelo à consciência? Ou um elemento que os venha espicaçar? ... sob a aparência de funcionário dos correios dormita uma moreia... e o que virá ela caçar com o seu olfacto apurado?

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