Se perder rimasse com desenraizamento, talvez Thandi tivesse lugar numa geografia concreta, fosse ela africana ou americana. Mas não. Não encaixa. O mais certo é não encaixar em lado nenhum. Thandi não é completamente negra para combinar com a sua carapinha na África do Sul, mas também não é branca o suficiente para encaixar numa Pensilvânia onde é vista como imigrante, estrangeira, africana, preta...
Por isso, Thandi remeteu-se à geografia familiar, ao sentir-se segura no amparo da sua mãe. E por isso mesmo, «Tudo o que perdemos» é um relato íntimo, fragmentado e desconexo, revelando a vulnerabilidade de uma mulher à procura de uma nova âncora, alimentada por um misto de emoções.
"Nasci no momento em que o Apartheid morria. (...) Nasci na América, a minha mãe, em Joanesburgo e o meu pai, em Nova Iorque. (...)
- A tua mãe era incontornável - contou-me o meu pai. (...)
A minha mãe aproximava-se dos outros de forma agressiva. Era extremamente obstinada e cáustica. (...) As raízes da minha mãe eram fortes e profundas; os seus relacionamentos, resilientes; as amizades sobreviviam a décadas, oceanos e cortes. (...)"
Durante os primeiros capítulos conhecemos esta mãe arrebatadora e firme, mas também os sentimentos, medos e preocupações de Thandi, muitos deles ocultos para a família, sejam sobre a África do Sul, o bairro na Pensilvânia ou outras miudezas da vida do dia a dia.
"Tenho pensado muitas vezes que ser mulher negra de pele clara é como ser uma pessoa bem vestida que também é sem abrigo."
O feitio da mãe e as regras por ela ditadas como mandamentos, formataram-lhe o olhar e o pensamento. O que a mãe trouxe em si de uma África segregada ou a forma como se moldou a uma América igualmente violenta, influenciou por completo, a forma de Thandi olhar ao mundo. No entanto, faltava ainda que essas regras se redefinissem à medida dos dias e da idade. E antes disso, a doença levou-a.
A morte da mãe abriu um fosso, buraco esse que não se encherá apenas de coisas simples ou fúteis e muitos dos capítulos são prova disso; relatos dos remendos e das tábuas de salvação, tudo soluções provisórias.
"O meu amor é amável. Não é dado a raiva. É ponderado, bem-disposto e puro. (...) No circuito da minha vida, ele é o chão. Equilibra-me, permite que eu flua num ritmo regular. (...)
Muitas vezes dou comigo, quando discutimos por causa da conta, quando ele mastiga ruidosamente ou se ri na parte errada de um filme, não a perguntar se dou feliz, mas se a minha mãe o aprovaria."
Com a história e o crescimento de Thandi cruzam-se acontecimentos que mudam África, seja a do Sul ou todo um continente colossal; bem como factos incontornáveis que moldam a América, ainda assim o isolamento e as divagações pautam os dias de Thandi.
"A minha teoria é que o isolamento cria um sentimento de assombração."
Dizer que a maternidade vai alterar o curso deste livro não surpreende; ela é todo o motor destes sentimentos e indecisões que transitam em Thandi. Aliás, a maternidade é o que congestiona o trânsito interno da personagem, portanto era de esperar que o mesmo a descongestionasse, Thandi é mãe, mas o sentimento de pena não a abandona.
"Perder é mesmo assim, uma coisa completa e irreversível."
2 comentários :
Adorei a dica.
Ótimo fim de semana.
Bjins
CatiahoAlc. do Blog Espelhando
É um bom livro.
Diferente.
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