domingo, 18 de abril de 2021

«O que contamos ao vento» de Laura Imai Messina :: Opinião




"Yui tinha humores, tendia um pouco para a melancolia, como se tivesse sido concebida inclinada e resvalar fizesse parte da sua natureza."

Nessa sua natureza, Yui levava uma vida oca cheia de horas opacas, em que o amanhã enquanto princípio, era algo que não existia. E foi mais ou menos com essa sentença que Yiu e Takeshi estabeleceram contacto, depois de muita perda nas vidas de ambos, e como processo de cura, começaram a frequentar Bell Gardia, aguardando um certo serenar das respostas trazidas pelo vento.

No entanto, e por a cura ser um processo longo, as viagens de carro entre Tóquio e o telefone do vento, são uma forma de se conhecerem e conciliarem gostos e cumplicidades.

"Longas viagens de carro, horas intermináveis de condução, melodias de fundo, gargalhadas e silêncios confortáveis, verdadeiros haikus visuais para mais tarde recordar e que reforçavam os nervos e os músculos do coração."

O que é dito nas entrelinhas coloca-nos muitas questões sobre temas sensíveis, como a morte por doença, acidente, catástrofe natural ou até mesmo por suicídio, e aí sem evasivas ou desculpas, se afirma que o suicídio tem o rosto dos que lhe sobram, ainda assim é mais sobre luto e superação do que a morte, embora não esconda as ideias que pairam naquelas cabeças em dias mais negros. 

"Takeshi convenceu se de que era por causa dos sobreviventes, dos que ficavam, que a morte tinha, de facto, um rosto. Sem eles, a morte seria apenas uma palavra feia. Feia, mas no fundo, inofensiva."

O luto é o enxertar dos dias com estratégias de superação, como o homem da moldura, que nos dá uma metáfora para a forma como podemos ficar a ver a vida depois de partirem aqueles que mais amamos, uma constante recordação, retalhos de uma vida que só se vive por memórias: momentos emoldurados e espartilhados num rectângulo do tempo. Ou então, uma constante necessidade de fragmentar, aceitando e catalogando breves acontecimentos, emoldurados de felicidade, pequenos momentos felizes que não invalidam nem fazem esquecer o quadro maior da dor e do luto.

Ainda assim, tudo é dito com delicadeza e até doçura, como se com esses ingredientes pudéssemos amparar melhor a dor e aceitar que a perda nos deixa amarfanhados e desajeitados para aceitar novos sentimentos de pertença e dedicação. É preciso voltarmos a deixar que nos abracem, é preciso aceitar e deixar entrar novamente o amor.

"We need four hugs a day for survival, eight hugs a day for maintenance and we need twelve hugs a day for growth."                                  
                                                                                                    Virginia Satir

«O que contamos ao vento», de Laura Imai Messina, tem um enredo que nos enche de lugares, música e pensamentos, muito além do que é narrado e, se o amor é como a terapia, na qual é preciso acreditar para que funcione, um telefone ligado a nenhuma linha ou até um livro com muitas perguntas, podem igualmente dar respostas ou abrir a mente em outra direcção. Basta acreditarmos! E julgo ser essa a premissa principal deste relato: o poder de acreditar e sentir, muda tudo. Muda-nos.

Ao longo da leitura fui compilando uma lista de músicas, a maioria consta no livro, outras vieram por acréscimo, como aquela que mais pano de fundo a esta leitura: