“Um grito coletivo. Um refrão”
Eu acrescentaria, uma litania, uma ladainha que no seu tom
poético pretende converter a dureza de temas tão vastos e intermináveis como o
racismo, a colonização, a guerra, a violência e a violação; a liberdade versus
a assimilação e a traição, o jugo da opressão, da guerra de raças e de sexos (e
a da religião) - a escravatura - os conflitos interiores e a luta desmesurada
pela sobrevivência, num misto complexo e contraditório de sofrimento e
destruição, sem esquecer a que é autoinfligida. E ainda há lugar para narrar a
Mulher, essa raiz mais profunda e extensa de África, o seu corpo, o seu papel,
a sua sexualidade, toda a sua complexidade e sofrimento.
“Quantas forças uma mulher deve ter para carregar a tortura,
a ansiedade e a esperança, quantas palavras terá a oração da eterna clemência a
um deus desconhecido, cuja resposta jamais virá?”
Quantas forças um escritor deve ter para narrar as dores de
uma terra que o viu nascer?
E quantas forças mais terá que ter sendo mulher que quis
encontrar as palavras que são chuva fresca e têm “o poder das ondas mansas
embalando as embarcações na valsa da brisa”.
Desengane-se o leitor, «O alegre canto da perdiz» nem sempre
é alegre e nem sempre é fluído como uma valsa. O batuque por vezes impõe-se,
caótico e na tensão de cada batida há uma subversão que quer romper a noite,
rasgar quem derruba a esperança que às vezes já não vem com cada nascer de cada
dia.
Por isso, as mulheres e os homens que aqui encontramos
seguem de sorriso aberto e o peito fechado, muitas vezes “frustrados
como abelhas embatendo nas vidraças frias de uma janela” porque “há parcelas do
organismo que não se alimentam de arroz, nem de remédios ou palavras divinas”
precisam de sonhos realizados e não de miragens. Ainda assim, o ingrediente que
mais abunda é o da complexidade contraditória que habita todo o ser humano, balanças
ao vento, aguardando a acalmia.
“Nas cidades humanas a liberdade é proibida. O ser humano
tem que andar sempre vestido, documentado, calçado. Por andar sem rumo, a
polícia prende por vadiagem, como se alguém conhecesse de facto o rumo de cada
passo. Por que é que tem de se andar num rumo exacto se todos os lugares são
lugares para andar?”
E caminhando até ao final do livro, lê-se nas entrelinhas a
mensagem de esperança, acreditando numa humanidade capaz de se reinventar, já
purgada de que ainda reste por denunciar e perdoar.
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