É "tempo para falar" e reavivar o passado?
Onde reside a força para revelar tais memórias angustiantes e apavorantes?
Em "Tempo para falar", Helen Lewis revela a sua história de sobrevivência, naquele que foi um dos episódios mais negros e marcantes da História, do passado recente da Europa e do Mundo, o extermínio de judeus e os campos de concentração pelos quais muitos deles passaram, inclusive a própria autora e de como a dança lhe salvou a vida.
Neste relato, talvez em jeito de despedida, Helen Lewis traça um mapa de medos, angustias, horrores e detalhes sórdidos dos tempos em que viveu na penumbra e no esquecimento que foram os guetos, os campos de trabalho forçado e ainda Auschwitz/Birkenau, como corredor da morte. Ainda assim, e no meio de tantos acontecimentos tristes e humilhantes, Helen foi tendo, por várias vezes rasgos de sorte, fosse por ter acesso a pessoas conhecidas, ou por ser reconhecida... enfim, um sucessivo de felizes acasos e sorte que nos leva a crer que são os responsáveis por ter conseguido sobreviver, para além, é claro, da sua enorme força de vontade, para lutar e persistir, onde tudo parecia ... morrer.
«É a história de um sofrimento quase inacreditável, mas contada de uma maneira que quase infunde alegria no leitor… notável pela sua simplicidade e lucidez elegíacas, pelo ímpeto irresistível, pela integridade insuperável e pela impressionante ausência de auto-comiseração e rancor.» Independent
Tenho de salientar estar parte da opinião divulgada pelo Independent e que figura na contra capa do livro. Não concordo que quase infunde alegria, infunda talvez alguma inverosimilhança exactamente por ser um relato tão cru e tão simples e sem revelar qualquer rancor. Será possível? Será que, com tanta falta de dignidade a que foram expostas estas pessoas, que até a vontade de vingança e de revolta se extinga nelas? Será essa a justificação para que os prisioneiros, mesmo sendo em número muito maior não tenham tentado revoltas? Já que disso pouco ou nada se fala e neste livro menos ainda.
Já o The Guardian diz: "O que distingue este livro de todos os relatos em primeira mão do Holocausto é a capacidade evidenciada por Lewis para descobrir traços de humanidade, onde, com toda a justiça, não tinha razões para os ver..."É mesmo assim? Ou o relato só assume estes contornes passados tantos anos e depois de uma vida refeita!?
Não quero de forma alguma desvalorizar, mas nesta e em outras histórias fico sempre com a sensação de que os relatos são intermédios, ou os há só para chocar ou os há muito amenos, e não consigo encontrar palavra melhor, precisava de ler um livro onde as emoções se fizessem sentir por relatos transparentes, sentidos... sem meias palavras, ou arestas limadas.
Um aspecto, a meu ver, muito curioso neste livro é que desde o início até fim, persiste a necessidade da autora colocar questões no meio do seu discurso, da sua narração, como se até à data (a da escrita do livro - 1992) a própria Helen ainda tivesse dúvidas sobre que respostas dar aquelas questões.
"Em 1941. os vitupérios anti-semitas diários nos jornais e na rádio já tinham preparado terreno para uma nova lei antijudaica ao pé da qual todas as anteriores pareciam brincadeiras de crianças: a introdução da estrela amarela (...) A consciência de que estávamos marcados incutia-nos sentimentos confusos e contraditórios. A estrela era um sinal de distinção ou de humilhação, ou isso dependida de quem a usava? (...) Sair à rua sem a estrela seria um gesto de desafio ou de cobardia?" (pág. 37)
Questões pertinentes para as quais buscou sempre resposta? É o que parece pela leitura do seu livro.
Em "Tempo para falar" talvez se faça mais tempo para reflectir, para questionar e para perceber. Perceber nem que seja o lugar da dança numa vida em tempo de guerra!
"(...) onde antes reinava o caos, agora havia uma dança."
Ballet- Coppelia: Waltz - para terem uma ideia da dança referida no livro
Para lerem mais sobre Helen Lewis:
The Telegraph - obituário
Uma leitura com apoio da PLANETA, veja mais sobre o livro aqui, na página da Editora.
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