Como tem vindo a ser hábito, gosto de romper com as minhas leituras
correntes para ler algo diferente, algo
que à primeira vista me faz pensar
"isto é algo para a minha irmã ler". Embora Henning Mankell seja um nome sonante no mundo dos policiais, nunca tive oportunidade de ler uma das suas obras.
Com Tea-Bag - O sorriso da esperança, a motivação para pegar no livro e
passar da contra capa para uma leitura completa foi a premissa do
contraste social entre um poeta intelectual da classe média/alta Sueco e
as três imigrantes do sexo feminino uns bons anos mais novas, com um
passado e um presente que o personagem principal não é capaz nem de
conseguir fantasiar tal é irrisória a descrição da sua pessoa, vida pessoal e profissional nas 6 linhas que lhe são dedicadas na sinopse.
Fico surpresa perante o quanto estava correcta quanto ao personagem masculino e a sua incapacidade de tomar rumo da sua vida, que acaba por perder o fiozinho da normalidade (onde quer que ele estivesse ligado) quando se cruza com o sorriso de Tea Bag, uma imigrante de nenhum pais especifico e de muitos convenientes, e posteriormente com as suas duas amigas que sonham escrever a sua história e vêm em Jasper o tutor indicado para atingir esse e outros fins.
Curioso será buscarem ancora num barco que anda à toa no seu próprio mar. Jasper é uma figura patética de homem, escritor/poeta de pouco sucesso, completamente ignorado pelo editor que apenas deseja torná-lo numa máquina de fazer dinheiro ao fazê-lo enveredar pelo mundo dos romances policiais, uma namorada que tanto o repele como deseja carregar um filho seu, um corretor de bolsa que o engana em todos os cêntimos que investe e para terminar, uma mãe, que é bem capaz de ser a fundação para que todas as relações na vida do filho sejam problemáticas e que aos 80 anos ainda consegue ter energia para o tirar do sério (e a mim também) e para surpreender muito boa gente.
Embora de início estejamos um pouco perdidos entre os dramas da vida pessoal e profissional de Jasper e os momentos em que se encontra com as raparigas, começamos com o passar do tempo a assentir perante a expressão usada logo inicialmente para se referir aos refugiados num acampamento improvisado numa qualquer praia espanhola que é porta de entrada de imigrantes clandestinos vindos de África -
Pessoas sem rosto.
As histórias que vão sendo contadas pelas raparigas são uma amálgama de detalhes que vão coincidido entre elas, tendo por vezes dificuldade em detectar se estamos realmente a conhecer a história de uma delas ou se estão apenas a dar um panorama geral do drama por que muitos emigrantes ilegais passam diariamente.
Podem ser provenientes de países africanos chegados a uma praia ladeada de arame farpado na costa espanhola, ou membros de um pais culturalmente restrito em que para respirar uma mulher precisa de pedir autorização ou até jovens que foram enganadas com falsas promessas de trabalho e se viram sujeitas à escravidão sexual num beco sem saída.
Quer seja Tea-Bag, Tania ou Leila, o desejo é comum, a Liberdade. Mas tantas foras os rumos que tomaram, tanto fugiram que agora lhes é difícil estabelecer um destino, um objectivo.
A leitura deste livro permitiu relembrar que a palete de cores com que pintamos o nosso mundo varia consoante o local onde nascemos, crescemos e de acordo com todos os elementos que nós tornam nos seres únicos que somos. Que a motivação para pintar os dias num degradé de cinzentos surge da dor do passado, dos conflitos do presente e da incerteza do futuro.
Quantas são as vezes que nós nos queixamos sem razão?
Mesmo quando reclamamos dos nossos males e imediatamente nos corrigimos, usando a expressão muito enraizada na cultura portuguesa, "podia ter sido pior". Não fazemos ideia do qual é ridículo nos comparamos com algo ou alguém num estado completamente indigno quando nós apenas não temos um pacote de lenços para assoar o nariz ranhoso de sermos uns choramingas sem motivo aparente, isto se confrontarmos os nossos problemas "de primeiro mundo" com uma fuga clandestina em condições desumanas para fugir a um passado pobre e violento não tendo sequer a segurança de que o futuro será melhor ou irá sequer existir.
A este livro tenho apenas a apontar uma coisa. A contrabalançar com a história muito real, sem dúvida criada com base em testemunhos obtidos pelo autor nos conhecimentos travados em diversos dos locais por onde já passou, merecíamos ter um personagem principal que despertasse outros sentimentos que não pena ou indignação no leitor.
Ah, sendo o Henning um autor maioritariamente de policiais, a insistência com a ideia de "qualquer cromo escreve um romance policial" presente neste livro é sua maneira de criticar a afluência de outros escritores ao género?
Eu não tenho maneira de saber, leio 2 ou 3 policiais por ano mas achei irritante e insistente a perseguição ao personagem com notícia que toda a gente à sua volta, para sua grande surpresa, acha que sabe escrever e quer publicar um romance policial.
De modo a perpetuar este gosto por suspender as minhas habituais leituras, tenciono retomar ao tema da imigração. Aceitam-se sugestões.
Até lá, Boas leituras!
Uma leitura com o apoio
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