Não é assim que se pisa o chão e se entra no hotel de Nuno Camarneiro, mas podia muito bem ser. À medida que entramos em cada quarto iremos ler o que queremos e iremos sentir o que precisarmos de despertar. A escrita simples, acutilante, rápida e concisa de Camarneiro consegue tudo isso e mais. Cada quarto é introspectivo e alguns sufocantes e esmagadores.
"Senhor, dai-me pelo menos a potência de chorar."
Recebemos sentimentos em contramão de pessoas em trânsito, amores estagnados e fora de tempo, loucuras inexplicáveis e traições, acidentes e incidentes, tristezas e alegrias, tudo em doses curtas e de toma única.
"Tanto tempo a amar em contramão, como um velho de vista cansada e juízo turvo, ignorando as luzes em sentido contrário, ignorando a realidade. Mas há tantas realidades (...) Estava eu a amar tão bem, sozinho, mas tão bem."
Acredito que passamos mais tempo a pensar no que a escrita nos transmite do que propriamente a ler o livro, esse devora-se! Se o detalhe, a ligação entre o 313 e o 314 ocorresse mais vezes entre quartos, tínhamos enredo, tínhamos romance, assim temos uma série de episódios que filmados por exemplo por uma Sofia Coppola dariam um filme ora frenético, ora melancólico e nostálgico.
Alexandre, o ascensorista é maravilhoso, leva-nos a dar a volta ao mundo, como se fôssemos minúsculos e estivéssemos, como um rato numa roda, correndo freneticamente sob o globo terrestre, sem nunca sairmos de cima da secretária. Só isso dava um filme!
Camarneiro não desilude, mesmo não sendo um romance e sim um conjunto de microficções todas debaixo do mesmo tecto, é na efabulação deixada a cargo do leitor que o livro brilha e dessa forma criamos um romance. Foi o que eu senti. É curioso como numa pouca dezena de quartos o autor nos leva a olhar o mundo, composto por histórias que talvez se toquem e entrelacem com as nossas, tal como já tinha feito com o prédio que lhe valeu o Prémio. Menos é mais e é verdade!
Uma leitura com o apoio DOM QUIXOTE/LEYA.
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