segunda-feira, 4 de abril de 2016

"Seda" de Alessandro Baricco :: Opinião



Baricco tece delicadamente, mas intensamente este belo e efémero romance.
Simplicidade ao relatar, beleza ao descrever, delicadeza nas escolhas, mas também o lado efémero de uma paixão que pode marcar alguém para a vida toda. Na raridade do seu trabalho e num peculiar encontro, Hérve Joncour descobre um lado mais sumptuoso e erótico do romance, idealizando toda uma nova aura para a sua forma de sentir e até de viver, explorando um lado delicado e fugidio tal como a seda que lhe foge das mãos. 
Um livro pleno de sensibilidade, fragilidade e metáforas para as relações, também elas plenas de dualidades.

Joncour, é um negociador de bichos da seda, enviado em viagens de trabalho ao misterioso e hermético Japão e o seu contacto abre-lhe os sentidos nos mais variados contextos, alterando-o. Para tal, contribuiu muito o relacionamento com Hara Kei que vale a pena descobrir por cada incursão no mundo Oriental.  

"Naqueles tempos o Japão ficava, de facto, do outro lado do mundo. Era uma ilha feita de ilhas e durante duzentos anos vivera completamente separada do resto da humanidade, recusando qualquer contacto (...)
Hérve Joncour foi hóspede de Hara Kei durante quatro dias. Era como viver na cote de um rei. (...) O mundo parecia estar a séculos de distância.
Lembrou-se de ter lido num livro que os homens orientais, para honrar a fidelidade das suas amantes, não costumavam oferecer-lhe jóias: mas sim aves requintadas, e lindíssimas."

Já em Lavilledieu os dias decorriam na pacatez de uma vida simples e metódica, como preferia Joncour e aqui temos acesso ao outro lado da acção, mais calmo e modernizado que contrapõe com toda a aventura, na época, que era viajar até ao Japão. E cada vez que o autor quer movimentar o viajante, repete, metodicamente, as fases da viagem. No entanto, que essa repetição não parece causar transtorno, antes pelo contrário, é quase como uma fase de meditação até chegar a Hélène, a esposa que o recebe sempre de braços abertos.

A linguagem revela-nos a audácia, a ambição, o deslumbramento, a paixão, a cumplicidade, a curiosidade e a entrega, tanto nas personagens masculinas como femininas, dotando o enredo de uma intensidade, mistério e ritmo que facilmente se entranham no leitor. Espanta-nos que seja assim pelo parco tamanho do texto ou as descrições muito céleres, mas explícitas, por oposição à forma como relata determinados eventos, deixando ao leitor a criatividade de fazer a viagem por si. 

Por si, mas nunca sozinho. O leitor navegará, imaginar-se-á na senda dos bichos da seda, ou então, no doce retorno a casa, fascinado pelos prazeres de novas descobertas provando a si mesmo que o longínquo e o desconhecido podem morar mesmo ali ao lado.

"Se lhe tivessem perguntado, Hérve Joncour teria respondido que iriam viver assim, para sempre. Tinha consigo a tranquilidade inabalável dos homens que se sentem no seu lugar."

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