Depois de ter ficado rendida ao ambiente que a escrita de Kawakami é capaz de criar em «Manazuru» (opinião aqui) tive de ler «Os anos doces» e perceber que a autora consegue criar todo um outro ambiente mas na mesma em torno de uma mulher e dos laços que cria.
"Talvez porque com ele tivesse a impressão de viver com maior autenticidade...
Era uma impressão curiosa, comparável àquele sentimento estranho que nos leva a não retirar a cinta de um livro recém-adquirido."
Se em «Manazuru» que é um livro cheio de luto, mistério e solidão, conferindo uma aura de enorme fragilidade a Kei, a personagem feminina, que ao se debater com o desaparecimento do marido vive uma maternidade dividida e um regresso à casa materna; em «Os anos doces» Tsukiko é uma mulher independente, mas confusa com as exigências feitas à mulher e com as quais ela não se identifica propriamente, além disso, despreza inclusive algumas delas, talvez aquela que dá todo o ambiente ao livro: o prazer de comer e beber.
"Felizmente tinham desistido de me pressionar para que me casasse e deixasse de trabalhar. Mas sentia-me pouco à vontade. Era mais ou menos como quando se experimenta roupa feita à medida: há sempre peças que ficam curtas, outras compridas (...) espantada, uma pessoa despe-as, mas constata, ao colocá-las à frente do corpo, que haviam sido realmente talhadas no tamanho certo. Enfim, sentia uma coisa desse género nas alturas em que estava com a família."
«Os anos doces» representam um período de bons encontros comensais entre Omachi Tsukiko e o seu antigo mestre de Japonês enquanto se envolvem numa relação peculiar mas sempre entregue aos prazeres da boca. «Os anos doces» é um livro que faz crescer água na boa.
"Traga-me, por favor, almôndegas de sardinha e fatias de rabanete .
- Eu queria um rolo de pasta de peixe e alcachofras chinesas. E fatias de rabanete também, se faz favor - pedi, sem querer ficar atrás dele. O cliente da mesa ao lado pediu algas..."
Matsumoto Harutsuma é o mestre, um homem mais velho do que Tsukiko e que exerce uma força subtil mas intensa sobre ela, bastava-lhe um sorriso: "(...) Havia algo de diabólico por detrás daquele riso. Algo que lembrava o riso de um miúdo que acaba de esmagar uma formiga." E dessa forma, com trejeitos simples e quase infantis, o mestre prendia-lhe a atenção e o pensamento.
O tempo vai avançando desde a época da apanha dos cogumelos, ao festival das cerejeiras ou à estação das chuvas, entre muitas garrafas de saké, inúmeras formas de comer tofu e uma ou outra iguaria que nos fazem crescer água na boca: "(...) beringelas frescas laminadas e salteadas, cobertas com molho de soja com aroma de gengibre. Couve macerada no miso..."
«Os anos doces» são um retrato delicado de uma relação difícil de definir, onde há, sem dúvida, uma exaltação do prazer de comer e uma comparação entre amor e comida, talvez na complexidade de definir o gosto de cada um.
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