quarta-feira, 6 de março de 2019

«Epidemia» de Reina James :: Opinião


«This times of dying» terrivelmente traduzido como «Epidemia, um tempo para viver» sugere, na sinopse, um amor proibido e talvez afaste leitores ao pensarem que vão ler só mais uma história de amor. No entanto, também não é um romance histórico que nos acrescente muito sobre esse episódio negro da Gripe Espanhola em finais da primeira Grande Guerra. Ainda assim, é um livro bastante competente e que explora subtilmente inúmeros temas: a crucial diferença entre classes sociais; o peso de um casamento, a violência doméstica e o papel da mulher, esmagada pelos costumes da época, apesar de serem tempos de guerra e de ausência de muitos homens da família. O livro é ainda estranhamente exímio em traçar uma imagem que espelha bem o rasto de destruição provocado por uma Epidemia para a qual as autoridades não tiveram mão, através das descrições dos materiais em falta para construir caixões e fazer enterros. 

O romance promete um curso curioso já que as personagens centrais são: Allen, uma professora primária, aparentemente nova mas viúva, filha de boas famílias, mas que trata a sua solidão fazendo-se acompanhar de um cangalheiro, Henry, que não tem mãos a medir com os inúmeros pedidos para tirar medidas a corpos e construir caixões; tem também uma criada lésbica que ela protege e trata fora das convenções sociais. Ambos têm ainda irmãs e amigos próximos que compõem, com requinte, este ramalhete. Ela tem uma irmã que entra em greve de fome, como medida de protesto contra os espiões alemães que diz ter em casa. Ele, tem duas que são tipicamente as irmãs protectoras mas codrilheiras, muito preocupadas com a influência desta professora no negócio de família, que ele gere e as alimenta a elas. 

Toda a paleta de personagens chega a ser sórdida face aos acontecimentos gerais e que afectam quase todos em geral, no entanto o flagelo da Gripe Espanhola só atinge proporções de cataclismo à medida que o número de mortos esgota desde a madeira aos locais onde enterrar os mortos. Ainda assim, não será uma história de amor a atropelar um flagelo que dizima milhares de pessoas pela Europa fora. são sim episódios desta natureza mais rocambolesca que alimentam a curiosidade do leitor. Isso e o facto de estar bem escrito, apesar de por vezes repetir ideias e se alongar em descrições. 


Alguns excertos:

"Depois de todos aqueles anos em que o homem lhe batera (...) Ele esperava que a sua viúva o seguisse, isto segundo ela, e achava que ela deveria ter-se suicidado para ir atrás dele lá para onde quer que ele tivesse ido. (...) Mas na noite antes de eu ter ido buscar o corpo para o funeral, ela cravou-lhe pregos de quatro centímetros nos pés para evitar que ele andasse atrás dela. Se ele voltar, disse, ouço logo aqueles pregos a baterem nas tábuas do soalho."

"Quando desci à loja, já lá estava um homem a bater à porta. Assim que o deixei entrar, ele agarrou-me a mão e apertou-ma firmemente, não me deixando afastar. Tinha acordado e deparara com a mulher morta na cama junto dele, e o bebé morto no berço. (...) O home que me tinha apertado a mão tinha sido a primeira alma viva a tocá-la em dias."

"Havia um bacio cheio junto à cama, fezes a flutuar no seu interior. Era mais que provável que este tivesse transbordado porque o chão em volta estava manchado - o cheiro terrível.
Allen sabia que devia esvaziar o bacio. Sabia que se o deixasse onde estava, eles não teriam escolha, ou conseguiam descer, ou ensopavam a sala. Todo o seu conflito interior em relação a visitar doentes se continha na relutância de fazer aquilo. Aquilo requeria uma generosidade extrema da sua parte. O esvaziamento regular da cadeira sanitária de Lily desgastara o seu altruísmo."

"Depois acendi a lareira com restos de chão da oficina e sentei-me para tocar a música que tinha feito para o poema. Depois de ter pensado que o piano seria de maior utilidade se desmontado e transformado num caixão (...)"





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