A leitura é uma viagem por palavras nacionais, estrangeiras, umas cultas, outras menos, umas mais rebuscadas, outras simplificadas, algumas levam-nos às lágrimas, muitas delas às gargalhadas e as melhores, aquelas que nos deixam abismadas, tamanha é a profundeza da ideia, da genuinidade expositiva, onde a simples contemplação daquelas palavras nos deixa assim: sob o Efeito dos Livros!
sexta-feira, 9 de julho de 2021
«A cor do hibisco» de Chimamanda Ngozi Adichie :: Opinião
Porque os afectos não têm horário e a vida deve galgar os muros da religião e das tradições e encontrar no calor das relações humanas o pilar para crescer em amor e segurança. É essa a maior mensagem de «A cor do hibisco», sem esquecer o peso das tradições como identidade, superando pesos maiores deixados pela colonização.
Seguimos esta família aprisionada nos horários rígidos de um pai que nas palavras da tia Ifeoma, é um produto fidedigno da colonização e que na sua total evangelização condena o tribalismo e a tradição pagã e não admitirá aos filhos, Kambili e Jaja ou à mulher Beatrice, quaisquer desvios ímpios.
O desrespeito é punido sempre!
A ordem e o silêncio sepulcral são para ser mantidos num ambiente doméstico entregue à oração, ao agradecimento e ao falar apenas com propósito. Por isso, quando por motivos santos, os horários das crianças ficam entregue à tia Ifeoma e ao seu sorriso resplandecente, a vida só poderá mudar.
Adichie escreve ainda sobre personagens para quem as possibilidades se abrem com um sorriso e a vida flui pelo poder da liberdade e do amor que não sufoca nem espezinha. É nas mulheres interpretadas por Kambili, Amaka, Ifeoma e Beatrice que nos mostra a resiliência feminina em diferentes perspectivas e nas mais variadas fases da vida.
Kambili no tríptico rígido de ser temente a Deus, boa filha e estudante de mérito, desabrocha para a puberdade, precisando vencer o silêncio e o medo que a sufoca e humilha.
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"O inhame cozido e os legumes picantes recusaram-se a descer-me pela garganta abaixo; ficaram-me colados à boca como crianças agarras as mãos das mães à entrada da creche."
"Eu queria sorrir, mas não fui capaz. Os meus lábios e as minhas bochechas estavam petrificados, congelados, imunes ao calor que me fazia escorrer suor pelas faces abaixo. Estava demasiado ciente dos olhos dele postos em mim"
Amaka mostra à prima Kambili a amizade, a paixão e o amar-se a si mesma, mostrando que os sentimentos são para ser vividos sem restrições e que para chorar ninguém precisa esconder-se.
Beatrice, mãe, mulher e irmã, que na sua pequenez silenciosa se faz invisível, encerra em si segredos de muita violência e um medo paralisante que a cala mas não cega perante a realidade injusta em que vivem.
E claro, a tia Ifeoma, um pináculo de energia, resistência e sobrevivência, um modelo no que toca ao quebrar de padrões, sendo a força motriz das outras, é com o seu riso audível que quebra barreiras da frieza e alimenta a união possível daquela família, diminuindo o medo que limita os sobrinhos e sendo a única que confronta Eugene:
"-Ifukwa gi! És como uma mosca que segue um cadáver às cegas para dentro da sepultura."
É no alimentar dessa injustiça encontramos Eugene, a mosca a Ifeoma se refere, ele é o pai de família que castiga e justifica as suas acções aberrantes, julgando-se o mais justo dos justos, expiando os pecados por uma interpretação enviesada das escrituras, aterrorizando a sua família. No entanto, a mestria com que Adichie o descreve não chega a permitir uma total demonização deste homem, no seu lado bom ele é um omelora, o que zela pela comunidade, ainda assim ficamos a pensar se o cadáver é a religião ou a Nigéria. E é nos diálogos entre irmãos que vemos o lado político e social que também pauta a escrita da autora.
Toda a narrativa está contextualizada pelo catolicismo, o ambiente socio-político e a própria natureza, pesados e poeirentos como os ventos quentes do harmatão e do próprio golpe de estado, ainda assim, a gastronomia, os cheiros, as plantas coloridas, os tecidos, a música e a luta que vai surgindo por vários tipos de independência, iluminam todo o enredo.
As descrições ricas e peculiares são um dos traços que melhor caracterizam a escrita de Chimanda Ngozi Adichie que ao caracterizar as suas personagens as expõe por comparação ao que as envolve, assim podemos observar o medo no vento que tudo arrasta e emporcalha, os sentimentos que despertam como a comida picante que rebenta na boca ou certas descobertas que chegam com a força das chuvas e tudo limpam e abrem caminho à renovação.
"A tarde desfilou pela minha mente (...) eu tinha sorriso, corrido, rido. O meu peito parecia cheio de qualquer coisa tipo espuma de banho. Leve. A leveza era tão doce que a saboreei na língua, a doçura de um caju bem maduro, amarelo-vivo."
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Tânia Ganho
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