domingo, 17 de julho de 2022

«Talvez devesses falar com alguém» de Lori Gottlieb :: Opinião


«Talvez devesses falar com alguém» de Lori Gottlieb é viciante! É também atrevido e honesto e vai destapando alguns mitos, lugares-comuns e meias verdades sobre todos nós e a intervenção terapêutica. E a necessidade que todos temos dela. Porque temos! Embora mascaremos confissões e partilhas e ainda seja tabu falar de dificuldades emocionais e do quanto comprometemos a nossa saúde mental.

Sem quaisquer rodeios, a primeira parte abre assim: “Nada é mais desejável do que ser-se libertado de um padecimento, mas nada é mais assustador do que ser-se privado de uma muleta.” (James Baldwin). E, nas suas próprias palavras, acrescenta: “Um dos passos mais importantes na terapia é ajudar as pessoas a assumir a responsabilidade pelos seus problemas actuais, porque, assim que compreendem que podem (e devem) construir as suas vidas, ganham a liberdade para gerar mudança. Ou, como também rapidamente nos diz: “A terapia provoca reações estranhas, porque, de certa forma, é como a pornografia. Ambas envolvem alguma nudez. Ambas podem causar alguma excitação. E ambas têm milhões de utilizadores, a maioria dos quais não divulga essa utilização.”

Passando esta introdução de posicionamento, contextualização e revelação, o que Gottlieb pretende dizer é que precisamos reescrever a narrativa da nossa vida, romper com o discurso desencorajador e aceitar que muitas vezes necessitamos de acompanhamento na dor e a terapia é um espaço seguro para essa partilha, compaixão (e auto-compaixão) e construção do futuro.

“Quando o presente se desmorona, o mesmo acontece com o futuro que lhe tínhamos associado. E ficarmos de repente sem futuro é a maior de todas as reviravoltas. Mas se passarmos o presente a tentar consertar o passado ou controlar o futuro, permaneceremos presos no mesmo lugar, perpetuamente desgostosos.”

Se algumas considerações nos parecem óbvias e rebatidas, é porque são, mas estão lá para nos relembrar disso mesmo: se são tão óbvias por que nos esquecemos tanto delas e de as pôr em prática?

Juntamente com essas chamadas de atenção, Gottlieb entra habilmente em explicações de foro psicológico que ajudam a atender o porquê de diversas situações, escolhas ou até mesmo da inércia, ajudando num auto-diagnóstico. Sem esquecer as emoções e os sentimentos que precisamos tratar com mais cuidado.

“Ocorre-me um pensamento que tenho muitas vezes quando vejo os meus pacientes autoflagelarem-se: Neste momento, você não é a melhor pessoa para falar consigo acerca de si mesmo. Há uma diferença, explico-lhes, entre culparem-se e assumirem a responsabilidade, o que é o corolário de algo dito por Jack Kornfield: «Uma qualidade que advém da maturidade de espírito é a gentileza. É baseada no conceito fundamental de autoaceitação.» Na terapia, damos preferência à autocompaixão (serei humano?) em detrimento da autoestima (um julgamento: serei bom ou mau?).”

Pode parecer o mesmo, mas Lori explica que não. A verdade e a aceitação vêm pouco a pouco da verbalização e afirma-se com a importância de ouvir-se a si mesmo, da responsabilização com a realidade e a gestão de expectativas. E toda a vulnerabilidade que é precisa no processo. 
Não é um processo fácil, mas desmistifica-lo é um dos objectivos deste livro, sempre com humor e honestidade:

“Podemos ajudar os pacientes a encontrarem a paz, mas talvez um tipo de paz diferente daquele que pensavam encontrar quando começaram o tratamento. Segundo a famosa frase do falecido psicoterapeuta John Weakland, «Antes de uma terapia bem-sucedida, são sempre os mesmos problemas. Depois de uma terapia bem-sucedida, é um problema a seguir ao outro.”

Mas não esmoreça. 
E lembre-se: «Se a rainha tivesse tomates, seria o rei.”

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