Ilustração de frontispício: Cristina Malaquias |
Relendo este livro-fenómeno, por ser até hoje vendido e debatido nas escolas, reencontro acima de tudo a mística associada à escrita diarística e não deixa de ser curioso que nos últimos tempos tenha lido vários livros dentro deste registo, mas seja algo que não mantenha, nem procure ler. Mas tem calhado. E algo muito curioso é a forma como certas entradas parecem ser escritas pela minha mão, pelo menos algumas linhas, seja aqui neste registo mais adolescente, em «Dano e Virtude» de Ivone Mendes da Silva ou nas linhas atormentadas, ácidas e até repetitivas de «O regresso dos andorinhões» de Aramburu. O que é certo é que um diário encerra a eterna questão: a da incompreensão. E essas são as melhores passagens.
É precisamente nessa incompreensão que começa «A lua de Joana».
Joana não compreende o que aconteceu a Marta, o que a levou a tal desfecho, mas pior, não compreende como levar a vida adiante sem a sua amiga, a sua confidente, aquela que a ajudava a descodificar o mundo à volta delas. O mundo convulso e desafiante que é o da adolescência, os desafios de saber o que estudar, a dificuldade em compreender a família, os amigos... e o papel num todo no qual não se reconhecem. Por isso, Joana continua a escrever a Marta, mesmo a amiga estando morta. Escreve em busca de resposta, despejando as mágoas no papel e enquanto o faz revela a solidão e o desamparo que sente e nós, hoje 30 anos depois, vemos tantas coisas mais que não veríamos com doze ou treze anos. Há uma desconexão brutal entre os elementos estereotipados desta família, falha a comunicação e falha logo numa fase crucial, a do luto e a solidão. Joana não tem como nem como quem tapar o buraco que lhe comprime o peito e as ideias. Ou até tem, mas por pouco tempo e esse segundo luto define um caminho que já se adivinhava no horizonte.
Sem dúvida que «A lua de Joana» é um livro que merece ser lido e relido. É um objecto de estudo e de debate e consoante as idades, as sensações e preocupações mudam e isso ainda o melhora mais, por ser capaz de se transformar juntamente com os seus leitores.
Com «O guarda da praia» as sensações são diferentes. As preocupações também. Embora os temas sejam igualmente importantes, pois existe um alerta para a preservação e respeito pelo meio ambiente e também uma relação, até certa parte nebulosa, entre uma mulher e uma criança, recriando um pouco o mito do menino selvagem, sem esquecer questões de abandono familiar e a maternidade.
Gostaria muito, talvez até mais, de ter a tal entrada no meu diário e reler as ideias sobre esta história, lembro-me de ter gostado muito, de ter escrito até qualquer coisa inspirada por esta praia, mas a memória está carregada disso: efeitos-dos-livros 😉