domingo, 4 de fevereiro de 2024

«Pequena coreografia do adeus» de Aline Bei – Opinião

Uma garota que deseja ser uma música bonita que desparece quando é rádio é desligado, pede ao espelho que não se apaixone por ela. Mas cedo vai descobrir que mesmo sem espelho, mesmo invisível, as são coisas existem e doem. E que mesmo as coisas bonitas se fazem em cacos, como aqueles que colecciona.

“as brigas dos meus pais foram virando o chão onde pisávamos.
o silencio da casa era sempre uma fermentação.”

Decepção atrás de decepção.

“(…) uma conversa em família
Nunca foi possível, não em minha casa
Lá somos três solitários
Irreversíveis
Gravemente feridos
Da guerra que travamos contra nós.”

Abandono atrás de abandono. Numa solidão que povoa tudo, Júlia cresce.

“sentia-me um verdadeiro Pêndulo: ora caminhando
solenemente para a presença materna, ora fugindo
de qualquer possibilidade de mãe.”

Caco atrás de caco, o Pêndulo sente-se um amontoado de destroços, mas mesmo os cacos fermentam, na linha ou cola que os une e mesmo nos destroços entra luz e gera vida e a família cresce mesmo só com uma. Ela! Júlia, cresce e floresce e vai escolhendo quem quer ter por perto, aprendendo a gerir distâncias e expectativas.

“os estranhos não nos doem porque ainda não nos dececionaram
e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo
essa doce incógnita.”

Porém a vida não pode acontecer com tudo à distância, é preciso ir ensaiando pequenas coreografias de adeus.

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