terça-feira, 12 de março de 2024

«A Axila de Egon Schiele» de André Tecedeiro :: Opinião

 


“(…) Mas antes disso, esfreguei as mãos na terra.

Não teria conseguido se não estivessem vazias.”

 

Se oscilarmos pela poesia de André Tecedeiro, ao sabor dos humores do dia-a-dia, encontramos sempre algo que nos anime. Ou que nos faça pensar. Não propriamente no sentido de desarranjar a cabeça. São palavras simples. Assim parecem.

“Cada um lê no poema,

o poema que traz em si.”

No entanto, em duas linhas e com uma dúzia de palavras tece todo um novelo de ideias que ajudam a arrumar as do leitor. Pelo menos foi isso que senti. Durante dois meses, a poesia reunida de Tecedeiro foi o meu livro de cabeceira, as suas palavras ressoaram dias e noites. Voltei a muitas delas. Repetidamente. É que se retirarmos algumas linhas e a juntarmos num texto temos um romance com o corpo, o dele, o nosso, o do outro. Um corpo que se questiona e debate. Um corpo que existe e persiste no contacto com outros. O corpo é luta e campo de batalha, o corpo é festa e ninho.

Da axila ao calcanhar, todos os recantos são radiografados. Poetizados. Ao leitor sobra uma vontade, a de tatuar meia dúzia de ideias. O difícil é ter pele que chegue!

“Que comecem as festividades,

quem perder é pele para tambor.”


“Eu usava uma armadura

Que me traiu duas vezes:

Foi insuficiente para defender o golpe

foi eficaz a esconder a ferida.”

 

“É na cicatriz que a pele é mais sábia.”

 

“Evadi-me

porque

me invadiam.”

 

“Quando os olhos se habituam à luz

conseguimos dizer levemente

o que mais pesa.”

 

“Com um poema ergo paredes

para definir um espaço interior,

nunca para o fechar.”

 

“Se todos os que me disseram

céus,

como te abandonas

tivessem antes pensado

céus,

quantos não te terão abandonado.”


“(…) Pessoas são pessoas

para cada calcanhar, um Aquiles.”

 

“Ele perguntou-me:

em que medida isso te

marcou?

Eu pergunto-lhe_

Como se mede uma raiz?”

 

“A fuga é o grandioso final em que os milagres acontecem a partir de dentro.”

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