quinta-feira, 20 de março de 2025

“Voltar do Bosque” de Maddalena Vaglio Tanet :: Opinião

Recomendado por Paolo Cognetti — com quem já subi oito montanhas e me deixei deslumbrar pelo entorpecimento contemplativo da alta montanha — cheguei a «Voltar do Bosque», sobre o qual ele disse “que existe qualquer coisa no ser humano que não consegue renunciar à sua ligação profunda com a terra.” E é verdade, concordo plenamente com isso e Tanet também, porque o silêncio húmido da culpa de Sílvia, cresce, fragmenta-se e dissolve-se na contemplação, no refúgio e na expulsão que o bosque lhe dá.

«Voltar do Bosque» (Dom Quixote, 2024) é o romance de estreia de Maddalena Vaglio Tanet, nomeado para o Prémio Strega em 2023 e inspirado num caso real que aconteceu na sua família, o livro desenrola-se numa aldeia piemontesa em 1970, e começa quando Silvia, professora de uma escola primária, desaparece no bosque após o suicídio de uma aluna. 

Essa fuga, gesto silencioso e trágico, é impulsionada por uma culpa que ela julga não encontrar eco ou expiação possível dentro das paredes da sua comunidade. Então, será Martino — uma personagem asmaticamente frágil – um rapazinho recém-chegada à aldeia e talvez a única alma dissonante ali — quem a encontrará, dias depois, faminta, enlameada, e em choque.

A culpa de Silvia, que irradia angústia desde as primeiras páginas, é também a culpa de uma aldeia inteira que prefere calar. A Natureza não é palco; é presença viva. Ao mesmo tempo que acolhe, dilui. Fragmenta. Serve de refúgio à protagonista, mas não a reconstrói. Apenas absorve a sua dor.


"(...) Reabre os olhos. Tem as narinas cheias de lama, cospe um pouco de lama da boca. Começa de novo a rastejar, rasteja para debaixo de um maciço de silvas que ao crescerem entraram pela mata de avelaneiras. Fica estendida lá no meio, onde ninguém a pode salvar."

A solidão, aqui, não é apenas uma condição, mas um modo de existência. Silvia já a conhecia antes da tragédia e o bosque permita-lha sem julgamentos. Mas é nesse lugar de quase-incomunicabilidade que surge Martino, com as suas perguntas desconcertantes e a lógica desarmante da infância. A relação entre os dois cresce como o musgo nos troncos — sem alarde, mas com firmeza

A densidade emocional aumenta com o surgimento desta relação, como contraponto ao que ela acha que perdeu; uma prova de que a sua identidade não se afundou com a aluna. E é de destacar a forma como, mesmo sendo possível escorregar no sentimento fácil, Tanet é capaz de entrar nos meandros lamacentos da culpa equilibrando muito bem a dose de drama com as participações coruscantes próprias da idade de Martino. 

O ritmo narrativo, as personagens e as suas disputas internas, na ânsia de caber em comunidades onde o encaixe é sempre desconfortável e nas relações de uso doméstico; é aí que Tanet mais se aproxima de Cognetti: quando as tensões familiares e sociais empurram os indivíduos para os limites da sanidade e os levam a refugiar-se na Natureza.

"(...) a loucura não era uma coisa que fosse estranha às pessoas sãs, mas sim uma possibilidade que estava dentro de cada um de nós."

 

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