segunda-feira, 18 de março de 2019

«A Última Ceia» de Nuno Nepomuceno :: Opinião


"Os italianos chavamam-lhe Il Cenacolo. (...)
Todos a conheciam como A Última Ceia
(...)
Apesar do restauro recente, o estado de degradação não só era considerável, como notório. Partes do desenho inicial do desenho de Leonardo estavam desaparecidas, outras simplesmente tinham sido eliminadas, mas, quando a luz na sala diminuiu ligeiramente, provavelmente devido a uma nuvem que passava lá fora, Sofia deu por si maravilhada.
Pálidas carícias de cor, na sua maioria em tons pastel, ganharam vida perante si. Depois da entrada triunfal em Jerusalém, Jesus reuniu os apóstolos para uma refeição e previu, entre outras coisas, que um deles iria traí-lo. As grandes figuras dos discípulos agruparam-se à sua volta em conjuntos de retórica. Revoltados, gesticularam e argumentaram com uma emotividade nunca antes representada, escutados ao longe pelas montanhas que os espiavam através das janelas entreabertas."


Uma obra de arte icónica, um roubo que supera interesses monetários e uma história de amor fugaz repintam esta última ceia num tom enigmático e conferem-lhe um acabamento de thriller sofisticado. As descrições bem conseguidas e uma escrita que cativa pelo ritmo que impõe, conduz o leitor por uma viagem entre ruas, igrejas, galerias e obras de arte, como se ele próprio viajasse por Itália. E o leitor escolherá: ou vive intensamente a paixão recente entre Giancarlo Baresi e Sofia Conti, especulando as intenções de cada um ou se preocupa em desvendar a motivação por detrás do roubo de tal peça gigantesca e de valor incalculável. Independentemente da escolha, o leitor é sempre acompanhado por bons momentos literários, navegando ao longo de diversos períodos da História, tal como acontece nos últimos dois livros de Nuno Nepomuceno: «A célula adormecida» e «Pecados Santos». 

"Mas a arte é um conceito poderoso (...)
O povo hebraico achou a escultura de um bezerro de ouro tão impressionante, que resolveu venerá-lo tanto como a Deus. Luís XVI perdeu o trono devido, em parte, aos gastos excessivos que fez em quadros (...)
»A arte mão é um animal exótico que se guarde em cativeiro para que possamos admirá-lo todos os dias (...)"

A religião está sempre presente nos últimos livros de Nepomuceno, se bem que neste há um salto, cruzando religião e arte, tornando os crimes mais passionais, conferindo um tom airoso para falar do Cristianismo. Outro detalhe sempre bem conseguido é a forma como o autor aprofunda a vida dos personagens que se repetem e vêm pintalgando as três narrativas. Vemo-los surgir em cada um dos livros sempre com mais detalhes, como se cada um deles fosse um quadro em constante restauro, é assim no caso de Afonso (e de Diana), permitindo ao leitor acompanhar aquela história e os fantasmas que ficam adormecidos e, a quem que não leu os livros anteriores, a querer lê-los para entender determinadas acções dos personagens. 

Outro pormenor que tem marcado estas leituras são os relatos dos crimes ou das cenas de violência e é interessante ver como um autor evolui e com muito menos descrições consegue transmitir violência, pavor, angústia e medo, sem perder humor ou a capacidade de permitir ao leitor várias sensações numa só passagem. 

"O Tamisa serpenteava no meio dos edifícios vitorianos, mas eram os arranha-céus que mais se destacavam. O sempre ácido humor britânico batizara-os bem. Os ingleses chamavam-lhes The Gherkin - O Pepino -, The Cheesegrater - O ralador de queijo -, The Razor - A lâmina de barbear (...)
Antes de começar a falar, Richard lançou um último vislumbre aos arranha-céus. Curioso, era exactamente assim que se sentia, como um aperitivo cortado em pedaços e pronto a ser servido grelhado para o italiano degustar."


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