segunda-feira, 12 de maio de 2014

ROSA CANDIDA - Opinião

O meu contacto com a literatura mais a norte deixa ainda muito a desejar para um conhecimento de autores e de um traço literário que os caracterize e torne únicos ou simplesmente diferentes dos demais. Por isso, é com enorme gosto que pego em novos autores e ultimamente tenho-os escolhidos também por serem referências na literatura nórdica.
Neste caso, Audur Ava Ólafsdóttir, francamente premiada e essencialmente por este título - Rosa Candida - que tive em mãos, cortesia da Marcador.


Rosa Candida é, a meu ver, um livro sobre amor, o amor a algo transcendente, um amor floral, delicado e um tanto perene. E talvez seja nessa noção de efémero que se aproxime ao cuidado a ter com algumas plantas... se não cuidarmos delas, morrem. Tal como o amor! 
É nesse alimentar diário e cuidadoso do amor, que vemos uma enorme ligação à memória da mãe e da sua estufa. Um livro que é uma declaração de amor à terra e ao amor materno. 

O romance da islandesa de nome quase pronunciável remete-nos para a aproximação à Natureza, à vivacidade das plantas, às tonalidades, aos cheiros e a ligação que isso tem com as memórias, com a infância, com os momentos marcantes... com a família, com um país... um livro que pretende mostrar e cimentar as raízes, apesar de termos um personagem a abandonar o seu país e a sua família para abraçar um sonho, um raridade... em terras distantes e desconhecidas.

Lobbi, Josef e o pai são uma família peculiar a quem já falta o elemento de ligação, a falecida mãe. Forte apoiante das ideias de Lobbi, foi deixando que a ligação entre o filho autista, Josef se fortalece-se mais com o pai, um septuagenário receoso da partida do filho Lobbi, receio esse que se junta a inúmeras outras inseguranças, mas também conhecimentos e artimanhas que os filhos desconhecem. Uma família que se tenta adaptar à falta da mãe, à futura partida de um filho e a novidade de um novo elemento, a bebé Flóra Sól.

Se por um lado temos uma narrativa desprovida de localização geográfica, que ainda me fez suspeitar da costa galega e procurar por alguma lenda ou mosteiro, temos um livro recheado de nomenclaturas de flores, de cheiros, de receitas, de traços de beleza de uma Islândia única de cores e fenómenos florais que apaixonam o personagem principal. Confesso que a falta de apoio na realidade, tanto do destino de Lobbi, como na verosimilhança de certos episódios me deixam menos agradada com o enredo, que no seu conjunto me parece um tanto fantasioso e talvez retire, por isso, um maior envolvimento que poderia ter feito com a história.

Talvez a ausência de uma referência geográfica seja propositada e nos queira mostrar que - não importa para onde se fuja, pois se o problema estiver em nós, irá perseguir-nos para onde quer vamos. É o que lhe acontece.

Há também no livro uma certa religiosidade iminente e eminente. Uma ligação que se nega, mas tende a aparecer. Uma ligação superior, que excede o personagem e as suas crenças. Uma presença suprema... talvez a mãe!? Depende aí das próprias crenças de quem lê e no que tende a interpretar. Para mim, esta ligação religiosa e em particular com a bebé Flóra parece quase que desnecessária, como as suspeitas na relação de Lobbi com o Frei... só apreciei a parte dos filmes, confesso... e existem lá boas referências. No entanto, a religião e a fé, persistem desde o excerto inicial, até mesmo ao final, numa alusão ao Julgamento Final, talvez um tanto dramática demais!

Apreciei esta:
"- o corpo é discutido em cento e cinquenta e duas passagens na Bíblia, a morte em cento e quarenta e nove, e rosas e outras plantas, em duzentas e dezanove. Contei-as para teu agrado. As plantas são o tema mais referido. Existem figueiras e vinhas escondidas por todo o lado (...)" (pág.191)

Apesar de não ter sido um leitura que me encantasse na sua totalidade é um livro que marca pela diferença. A mim fez-me pesquisar por flores e aumentou o meu desejo de visitar e caminhar na Islândia. Se os acontecimentos caricatos e meio desalinhados daquela realidade estranham, já a Natureza entranha... justificação essa que pode não estar na escrita, mas nisto, como diz a Márcia.

"Não conheço a Islândia. Mas deve ser assim, uma força natural que tudo domina, um colosso de cores que tudo preenchem, absorvendo a posição superior que o Homem veio a assumir na Terra."

E com este mote, deixo-vos algumas passagens do livro.

"O pai e eu arranjámos as flores para o caixão. Eu quis flores silvestres, rainha-dos-prados, cerefólio, gerânios, rainúnculos amarelos e pé-de-leão (...)." (pág.85)

"- O que é o musgo?
Se eu tivesse o vocabulário suficiente diria a esta estrela de cinema em ascensão que o musgo é um líquem sobre o qual é difícil caminhar. É fácil durante os primeiros dez passos, mas, se vamos cruzar um campo de lava coberto de musgo, é como andar num trampolim o dia todo." (pág.102)

Há ainda uma outra passagem, sobre umas flores raras, que crescem num local específico e numa zona de lava, cujo o parágrafo agora não encontro, mas que me fizeram querer lá ir ver com os meus próprios olhos.

E para finalizar, se aquilo que eu quis pragmatizar e encaixar numa determinada realidade, nem sempre encontrou explicação, talvez o padre cinéfilo tenha a explicação...

"Há o amor sábio, como nos recorda o poema, mas não existe a paixão inteligente (...) mas se a vida assentasse exclusivamente no bom senso, que seria do amor ardente (...)?" (pág.328)

Uma edição MARCADOR, veja mais aqui.

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