Se nas primeiras 100 páginas de «A rapariga-corvo» estranhei, entranhei por completo nas outras quase 1000 que compõem este calhamaço. Julgo que funcionar como trilogia é excelente para manter o suspense e claro, ir ganhando mais uns potenciais fãs... editado como um livro único poderia espantar leitores e assustá-los com a sua milhenta de páginas.
Apesar do tamanho a narrativa obscura e detalhada de Erik Axl Sund não enfada nem é em excesso, parece que tudo vem na medida certa e no melhor timing possível. Até as cenas mais tenebrosas e densas, devido aos crimes cometidos contra crianças, são logo de seguida contornadas com outro capítulo que pega em outra personagem ou numa parte fulcral da investigação.
Avisar para cenas que possam ser chocantes ou para o abuso, violação e violência infantil não basta para alertar o leitor para esta trilogia. É algo mais. Tem uma densidade psicológica associada a determinadas personagens, como o caso mais "alarmante" de Victoria Bergman que explicam em muito, o que os traumas causam nas vítimas e nestes livros existem muitas vítimas. Existem também muitos crimes e homicídios premeditados com requintes de malvadez, muito desvio à normalidade e ao (suposto) socialmente correcto, há até, aqui e ali, um constante tom de crítica à sociedade nórdica em geral.
A vingança, é por si só um fio condutor de todo o enredo, um projecto calculista que pode levar quase uma vida inteira para dar o resultado esperado. E depois existe todo o sofrimento e os danos colaterais, ninguém sai ileso das várias fases de transtorno que afectam tanto inocentes como psicopatas.
Dizer muito mais é correr riscos de revelar spoilers ou deixar passar dicas sobre os suspeitos ou as suas motivações, se bem que julgo que toda a trilogia está complexa q.b. para surpreender a maioria dos leitores. Surpreendente é também os dados estatísticos sobre abuso de menores e desvios psicóticos registados numa sociedade que se espera tão equilibrada, evoluída e feliz!!!
A dupla Jerker Eriksson e Håkan Axlander Sundquist consegue embranhar de tal forma o leitor em personagens tão fortes e complexas como Victoria, Sofia ou a investigadora Jeanette Kihlberg que não somos capazes de perceber as diferenças ou o traço pessoal de cada autor. A paleta de loucos, pedófilos, criminosos, sádicos e transtornados é de tal forma credível que chega a ser assustadora, mas dá todo um jogo de cores e sombras à acção que a tornam viciante.
Viciante e desafiante já que leva o leitor a tentar compreender a profundidade da personalidade múltipla e dissociativa de Victoria Bergman. Esta é a personagem que mais conquista o leitor e talvez por isso o fim seja tão arrebatador e até em aberto para a redenção. Será? Haverá alguma outra conclusão?
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