sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

«O Coro dos Defuntos» de António Tavares :: Opinião

Entre acratas e alguns alevantes, caminhamos entre alpondras e trauteamos uma aravia levada pelo arilho até aos ouvidos de alguma bagaxa ou de algum arlotão, revelando palanfrório zorato.

... ou melhor...

Entre anarcas e alguns motins, caminhamos entre pedras pelo rio e trauteamos uma algaraviada levada pelo vento fraco e frio até aos ouvidos de alguma prostituta ou de algum charlatão, revelando palavras ocas doidas.

A linguagem deste «O Coros dos Defuntos» pode em certa parte conter uma alçaprema, uma armadilha quero eu dizer, no entanto, são as palavras que formam, na minha opinião, o melhor deste coro. 

A linguagem de Aquilino Ribeiro é o botaréu para António Tavares trazer até ao leitor um retrato do Portugal meio futre, um tanto gabião e lapúrdio. Maltrapilho, tagarela e saloio. Assim se retrata o Portugal do interior nos anos antes do 25 de Abril. O período conturbado entre 68 e 74 foi chegando aos bochechos àquela terra beirã, criando uma maranha intrincada que vai desvelando um leque de personagens muito bem caracterizadas. 

É no acumular de personagens que o autor constrói uma aldeia à frente dos olhos do leitor e deixa perceber entre talisgas algumas pequenas pistas que poderão dar a descobrir o enigma entre Manuel Rato e Olivita, personagens pervagantes mas constantes.

Embora existam curtos episódios recheados de rinchavelhada, há muito de um retrato sério da nossa realidade, o que contribui para entendermos a suspicácia com que o povo recebia certas novidades.

Volto a repetir que toda a atracção que senti para este livro está na forma cuidada como o autor pega nas palavras e constrói momentos brilhantes que dão vontade de ler e reler, aliás, desde as primeiras palavras, onde a voz narrativa é apresentada, mas também os tempos de regime, que se pressente a qualidade do texto. 

“Diz ela que o mundo nem sempre foi assim. Noutros tempos, a avó corria à beira do rio com um pau de vime na mão a espantar os espíritos dos mortos e batia nas pedras e na água como se sacudisse os males da Terra. (...)  muros enchiam-se de musgos, campainhas e pipilros, brotavam cogumelos de todas as espécies em todos os cantos e era possível ler nas entranhas dos troncos o destino dos viventes. 
Cada um sabia quem era os outros e cada qual conhecia todos e, mais do que a eles, os pais e avós, às vezes os bisas e tudo assim, mesmo na linha colateral, ou seja, primos e tios e por diante (...)"

«O coro dos defuntos» está tão bem engendrado que diria até que se poderão ler alguns capítulos a título de micro contos e, volta na volta, deliciarmo-nos com belos lambiscos ou então amesendarmo-nos entre amigos e talvez emberzundarmo-nos de mais deste nosso Portugal.

Não tenham ignávia, leiam este livro!

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