sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

«A Vida Amorosa de Nathaniel P.» de Adelle Waldman :: Opinião

Adelle Waldman abre o seu primeiro romance com uma frase de George Elliot; "Para se fazer um relato verdadeiro do que se passa dentro de nós, é preciso algo mais do que sinceridade." Será esse algo mais, emoções!?

Neste que é o seu primeiro romance, Waldman explora o lado mais masculino das emoções trazendo até nós um personagem desapegado, meio elitista, um tanto snobe e claro, um intelectual. Daí que o romance típico de boy meets girl ultrapasse esse cliché e se torne num livro bastante interessante e inteligente, estabelecendo quase um tratado de como um certo tipo de pessoas vivem actualmente em Nova Iorque.

Temos Nathaniel Piven ou Nate, Elisa, Hannah, Mark, Jason, Kristen ou Greer neste enredo em torno de pessoas dedicadas à literatura, críticos, ensaístas, escritores em geral e editores que entre eles debatem temas actuais que pautam a vida social, afectiva e profissional e isso adorna muito bem a narrativa, elevando-a para além dos sentimentos, dos escrúpulos ou das atitudes amorosas dos personagens.

O que é que eu quero com isto dizer. Durante mais de um ano, acompanhamos a vida e Nate, desde o momento em que se cruza com Juliet, logo mesmo no início, para dar um ar de Sexo e a Cidade a este romance, mostrando que caminhar na rua em Nova Iorque pode ser palco para discussões com ex-amantes, quando, é claro, se tem um historial como o de Nate. Mas os confrontos com antigas paixões não serão recorrentes e o foco passará a estar na relação de Nate com Hannah e é aí que os personagens se revelam.

Nate pode ser bastante escrupuloso ou melhor dizendo meticuloso no que respeita a avaliar mulheres e as potencialidades de uma relação. Não podemos dizer que lhe faltem só escrúpulos, falta-lhe sentido de compromisso ou dedicação e nem sei se será bem só isso.  
Depois existe o lado Nate e os amigos, a inclusão social, um misto de combater a solidão, mas não se decidir por estar e manter uma relação amorosa saudável. E então temos um grupo de pessoas já entradas nos trintas que discute as suas curtes, quecas e tentativas de relação, sempre com duas perspectivas possíveis. As mulheres, como se encontrar um homem fosse uma missão, explorando uma lado muito interessante entre o que é dito e o que realmente é sentido ou desejado. Os homens, como se, depois do sexo, ao vir a fase da relação, vêem as mulheres como uma castração à sua vida sexual, social e uma ameaça à própria identidade.

"Concentrou-se em pornografia da Internet, uma morena pequena que fazia lembrar Greer Cohen, (...) a apanhar por trás numa secretária grande (...) Debaixo dele, as pálpebras de Hannah estavam fechadas. Depois os olhos dela abriram-se. (...) Nate, apoiando o seu peso nos cotovelos, desviou o olhar (...) Se não estava a ter o melhor sexo da vida dela, ele não podia deixar de sentir que a culpa era toda sua."

É muito interessante a forma como a autora explora o lado inteligente, sagaz, profissional, social e até político, colocando as personagens em patamares elevados, o grupo é inteligente, tem capacidades, mas quando chega a vez de assumir compromissos, há algo que derrapa, falha a comunicação, enchem-se de atitudes acriançadas e de fofoca... até a própria Hannah, que é uma mulher decidida, lúcida, calorosa, mordaz e criativa começa a tremer nas suas bases.

Algo que apreciei bastante neste livro é a forma como a autora cruza as sensações que vamos tendo durante a leitura com a própria personagem, ou seja, Nate também está a escrever um livro e a certa parte diz-nos: "(...) que o romance só começara a compor-se quando aquela personagem «insuportável» fora posta de lado (...)", o que nos pode levar a inúmeras interpretações, naquela mesma altura do romance entre as personagens ou perante a nossa forma de encarar o próprio Nate.
O livro é bem capaz de estar tão bem construído que a forma como oscilam os nossos sentimentos entre Nate e Hannah e Jason (um tipo insuportável!) muda conforme a relação deles avança.

Quero ainda acrescentar que adoro as descrições de Hannah e Greer, são parágrafos muito bem construídos, quase como se o narrador nos quisesse fazer apaixonar por elas para depois não compreender as dúvidas de Nate... chega a ser retorcido e mordaz para com o leitor, é muito interessante o jogo que ali se cria.


Uma leitura com o apoio TEOREMA
Adelle Waldman no Público, por Isabel Lucas

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