Apesar da linguagem crua, dos momentos brutos e sem filtros e apesar de infelizmente termos a nossa mente povoada de imagens que a tv nos "oferece" da guerra, seja a realidade noticiada seja a ficção, é-nos mesmo assim duro de ler determinados episódios, como acontece com Jenks no capítulo «Histórias de Guerra» ou, tocou-me também a angustia e a tentativa de refúgio, de salvação na fé, que nos é relatado de forma quase descrente e confusa em «Oração na fornalha».
Em «Corpos» vemos a forma vazia e seca com que um deles se tenta ligar à vida após a desmobilização. Mas a forma como ele próprio relata a sua vivência na guerra demonstra efeitos como: depressão, transtorno, violência ou a dependência de substâncias, mas também uma dúvida constante pela busca de sentido face a toda a brutalidade a que foram e ficaram expostos.
"- Quando nós disparamos, é para matar - gritou.
Os marines deram um rugido colectivo de apoio.
- Não quero que nenhum dos meus marines morra por ter hesitado - continuou o coronel.
- Os marines não disparam tiros de aviso."
Ainda nem a meio do livro tinha chegado e a pergunta que me assombrava era se alguma vez estes homens e mulheres, mesmo desmobilizados, alguma vez são desmobilizados verdadeiramente!? Se o abismo que a guerra abre é de alguma forma reversível?
Parece-me muito difícil, apesar dos grupos de ajuda, das associações de veteranos, das ferramentas para potenciar a reintegração, o retorno à vida que tinham antes da guerra. O stress pós-traumático, a ansiedade, a tristeza, os pesadelos e as desilusões face aquilo que achavam que a guerra era e aquilo que foi realmente, a percepção com que ficam para o futuro e claro, a dependência com que muitos ficam do álcool e da droga, culminando em alguns casos suicídio ou então em sucessivas missões, acumuladas umas a seguir às outras, questionando pouco os motivos, sejam eles políticos, de carreira ou de se tornar um vício como qualquer outro. Ou ainda, uma fuga de uma realidade à qual não se conseguem ajustar.
"- No Exército, costumávamos dizer que a percepção é a realidade.
Na guerra, muitas vezes, o que interessa não é o que realmente está a acontecer, mas o que as pessoas pensam que está a acontecer."
Este argumento consegue rematar e dar lógica a todo o livro e aos episódios que contêm, até quando se critica e se denunciam situações que nos parecem desorganizadas, corruptas e abusivas, mas essa é a guerra, com efeitos colaterais e resumir-se muito a números, a interesses políticos, e áquilo que se quer mostrar face ao que realmente se passa no terreno. E nisso o livro é muito rico, apontando a vários alvos, missões distintas, mas que juntas dão um panorama mais vasto.
"O gatilho estava ali, a pedir que eu o apertasse. Não há muitas ocasiões na vida em que tudo se resume a um «carrego neste botão?»"
Esta ideia de premir um botão e de que por vezes na guerra muito se resume a minutos ou segundos, contrapõe muito bem com o conto «OIF», onde somos bombardeados de siglas e pensamos em como a guerra tem tanto de botões sim/não, como de burocracia, politiquices e estratégias menos claras. Para no final, tudo se resumir à destruição e à miséria que daí resulta. Não é simples, não é só o «fim de missão».
«Hoje, não há príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar a misericórdia.»
Um livro ELSINORE
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