"O pintor fora sempre um obcecado perfeccionista e nada nos seus quadros se devia ao acaso (...) O erro, portanto, fora propositado, de tal modo era flagrante. Salvatorre Amato detectaria esse erro (...)
N' A Adoração, José é esse anacronismo. José somos todos nós quando certo dia, por egoísmo, negligência ou desatenção, desviamos o olhar daquilo que amamos."
As reminiscências atacam os personagens deste livro com a mesma força que o negro povoa os quadros desse tal Caravaggio, elemento de adoração neste relato precioso, cuidado, esmerado, sentido, tal como tudo o que aqui é descrito ou vivido. Aquilo que aqui se ama, se por momentos cai em desatenção, com maior apego e arte é repuxado para a realidade, alimentando esse temível compasso de solidão.
"As pessoas, todas as pessoas - sublinhou -, são capazes de coisas muito excêntricas. Soturnas. Ou terríveis. Sobretudo quando são presas desse estado, não, corrijo, desse movimento, dessa tortura e dessa magnanimidade que é o adorar algo ou alguém."
Presos desse estado de adoração, devotos a uma enorme condescendência, encontramos as personagens deste enredo, separado por séculos, mas unidos pela procura da beleza, da verdade, do amor, mas também da desilusão, da mágoa e dessa tal desatenção momentânea que é capaz de torturar um homem e alterar-lhe o rumos dos seus dias finais.
Dito desta forma fatalista parece que estamos perante um romance clássico e de argumento já gasto, mas não, as palavras aqui oferecidas e as personagens que as trazem, carregam como que uma assinatura que se empoleira no mesmo beiral de onde, boquiabertos, contemplamos os recantos que visitamos em Itália, recheados de história, enigmas e aventuras que desabam em cabeças criativas, como a da autora, capaz de enfeitiçar o leitor.
"(...) falando um dialecto tão poético como as cúpulas e as arcadas das igrejas e dos palácios das cidades sicilianas (...)"
Depois de «Os olhos de Tirésias», Cristina Drios fez o leitor esperar, mas trouxe-lhe agora uma natividade, "(...) portanto, cabe nela toda a esperança, todo o amor, toda a fé na salvação." A ela mesma, concedemos-lhe o devido indulto pela demora que tomou, outra forma de espera, a da própria adoração.
"E, enquanto esperei, nada fiz, se é que a espera não é em si mesma um laborioso fazer."
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