Em 2014 li «Perfumes» de Philippe Claudel e rapidamente me deixei inebriar pela sua escrita.
Claudel brinda o leitor com uma escrita melódica, profunda, recheada de imagens que reflectem as vivências, neste caso, de uma amizade que se entranhou de tal forma que o luto perdura num longo relato que é um elogio à vida.
"Lembro-me de ter colado, num dos meus inúmeros blocos onde se acumulam anotações que nunca releio, uma pequena reprodução de Dürer: (...)
A representação é edificante, esqueleto, foice e a mensagem simples: toda a beleza desabrocha à sombra do perigo último. Não esqueçamos a nossa condição passageira e a nossa vida é passada sob o olhar daquela que não nos esquecerá. Precisaremos, por isso, de a integrar no desenrolar dos nossos dias tal como fazem os Toraja?"
Entre referências várias, de cinema, livros, música, pinturas e até alpinismo, vamos conhecendo a amizade entre o narrador e Eugène e o seu coração dividido entre Elena e Florence, juntamente com uma dissertação instrospectiva e retrospectiva de alguns momentos que marcaram os bons últimos anos até à morte do amigo.
"Nós, os vivos, somos ocupados pelos murmúrios dos nossos fantasmas. A nossa carne e a matéria da nossa alma resultam de combinações moleculares e da tecedura complexa de palavras, de imagens, de sensações, de momentos, de odores, de cenas ligadas àquelas e àqueles com que a nossa existência nos fez relacionar de uma forma passageira ou duradoura.
(...) uma ordem que o caos da morte perturba a cada fase do jogo.
Em certa medida, viver é saber sobreviver e refazer."
O tempo, o lugar, as influências e as confluências dos dias, as viagens, os cheiros, o corpo e o quotidiano, tudo conta, tudo aqui encontramos, belissimamente descrito, e revelando quem pensa a morte por paralelo à vida e à arte, em pleno direito de melancolia e nostalgia, alimentando assim um leque de memórias que se deseja que o passar do tempo não apague.
"O corpo das jovens faz pensar em pedras perfeitas, polidas, sem defeitos, escandalosamente intactas. O das mulheres possui o perfume patinado dos dias inumeráveis onde se amalgamam, sensuais, os momentos de prazer e os de espera.
Torna-se o veludo dos dias.
Qual das duas, Elena ou Florence, me fazia estar mais vivo?
Fazer amor com Florence devolvia-me a mim mesmo. Fazer amor com Elena obrigava-me a tornar-me outrem."
Há uma energia delicada na escrita de Claudel, ora nos empurra para a leitura, ora nos trava, exige-nos uma paragem, uma reflexão, uma pesquisa. E o que lemos sobre a admiração a escritores como Kadaré ou Kundera aplica-se também à sua escrita, a magia de entre linhas pensadas e escritas por outros, encontrármos a simplicidade e a profundidade de momentos que ressuscitam em nós, sentimentos e sensações.
"Devo-lhe momentos que se contam entre os mais preciosos e mais fecundos da minha vida. Lendo-o, parecia-me entrar sem dificuldades no que a representação da vida e a própria vida podem ter de admirável, de absurdo, de grotesco, de enfadonho, de único e de ridículo.
(...) mas a memória e a língua funcionam, contra a minha vontade, como reenquadramentos de uma realidade que existiu, sem dúvida, mas pertence a um passado que se afasta.
Dou-me conta que escrever é uma inumação que sepulta ao mesmo tempo que põe de novo à luz do dia."
Pela leitura de «A árvore dos Toraja» nos ficamos a conhecer muito dos costumes desse povo indígena da indonésia, mas ficamos, sem dúvida, despertos para inúmeras outras referência e para a escrita de Philippe Claudel, um autor a seguir de perto.
Um livro SEXTANTE.
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