segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Opinião "O Rapaz à Porta"

A perfeição sempre me aborreceu mas garantidamente a vida certinha e espectacular Cecilia Wilborg revelou-se tudo menos aborrecida.

Conhecemos Cecilia como uma daquelas mulheres que só de olhar para ela se torna cansativo. Sempre primorosamente arranjada e composta, Cecilia tem a dose certa de tudo. Desde o marido atraente e que toda a gente queria caçar às duas filhas lindas e fofinhas, desde o casarão com vista para o porto de Sandefjord ao trabalho como decoradora freelancer que lhe garante ocupação e "independência" na sua posição de mulher moderna.
Como ela bem diz "tudo o que a Cecilia quer, a Cecilia tem".
No entanto, toda esta fachada foi polida de modo a esconder as imperfeições, as gaffes, os problemas e os erros do passado que podiam manchar a vida perfeita da família Wilborg mas principalmente de Cecilia.
E a primeira frecha abre-se quando, como que caído do céu, Tobias vem parar à vida de Cecília e da sua família.
Mas seria esta a primeira frecha ou apenas a que vai fazer tudo se desmoronar?

Alguém se esqueceu de ir buscar Tobias à aula de natação e devido à sua boa reputação em Sandenfjord e por ter sido a última a sair da piscina, coube a Cecilia leva-lo a casa onde chegou à conclusão que o local estava deserto e não havia sequer indícios de lá viver alguém.
Ressentida com a responsabilidade de tomar conta de um miúdo que pouco ou nada falou desde que estava consigo, Cecilia levou-o para casa só com o objectivo de se desenvencilhar dele no dia seguinte na escola mas surpresa surpresa, também aí ele não era esperado ou conhecido e é aí que a coisa começa a complicar.
Onde estão os pais desta criança?
Se não vive naquela casa, vive onde?
Porque Tobias não fala e quase parece um sombra a mover-se na escuridão?

Com a estadia de Tobias em casa dos Wilborg, a pedido do serviço de assistência social e contra vontade de Cecilia, começamos a perceber que a fachada polida que ficamos a conhecer tem rachas e bastante profundas, que Cecilia não é nem de longe um amor de pessoa, que alberga nela uma escuridão bastante profunda e capaz de destruir tudo à sua volta, a começar por si mesma.A sua bitchiness, desculpem a falta de expressão em Português, tem momentos que são tão espectaculares como repugnantes e quantos mais abalos sofre no seu dia a dia, maior é a sua instabilidade e acreditem, a coisa vai de mal a pior em meia dúzia de páginas.

E à medida que vamos avançando ficamos igualmente a conhecer pedaços da história pelos olhos de Tobias e Annika. Sim, Cecilia pode ser a grande peça do puzzle mas foi Annika que me prendeu à história, mesmo que inicialmente começasse por a desprezar, pouco a pouco mostrou um lado tão humano e credível que se tornou, pelo menos para mim, na melhor personagem deste livro. Não vos vos explicar quem é a Annika, vou convidar-vos a ler o livro. Acreditem, merece a pena só para ficar a conhecer Annika e Cecília, especialmente esta última que com a sua arrogância e altivez fez-me pensar em todas as razões porque não almejo a perfeição e por me afasto de pessoas que fazem da ostentação, superioridade e rebaixamento do outro uma actividade diária.

É curioso como tinha a certeza sobre o destino desta história desde que li a sinopse mas foi interessante ver a narrativa dar-me a volta, levar-me a acreditar que aquilo que bati o pé desde o primeiro momento não era o que a história me estava a oferecer, só para no fim ficar de queixo caído quando se sabe a verdade e ela é ainda pior do que estávamos à espera.
Fiquei sem dúvida rendida à história de Cecilia, Tobias e Annika e também à escrita de Alex Dahl.

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