segunda-feira, 8 de outubro de 2018

«A rapariga que lia no comboio» :: opinião



Esta leitura teve o apoio da Porto Editora
e foi-me recomendada pela metade colorida.

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Juliette, uma snifadora de livros, como todos os bibliómanos que conheço, cresceu a ajudar o avô, outro adorador de livros e cedo aprendeu a refugiar-se neles. E tentava, sempre que possível, passar essa sua adoração aos que lhe eram mais próximos; se bem que eram escassos. Juliette era quase só, quase invisível, presa num trabalho que já não tinha nada para lhe oferecer (se é que alguma vez chegou a ter) e lhe dava uma crispação nos dedos dos pés. É isso, Juliette é igualmente peculiar!

"Não nos ensinaram
o único exercício que poderia salvar-nos:
aprender a sustermo-nos de uma sombra."

Nem que essa sombra seja da espessura da lombada de um livro ou da espessura de um verso. 
 É nos livros que reside a esperança, o sonho, a viagem e a vida. E as frases que lhe inspiram os dias.

"Falava dos livros como seres vivos - velhos amigos, temíveis adversários por vezes, alguns a fazer figura de adolescentes provocadores e outros, de velhas senhoras a bordarem tapeçarias junto à lareira. (...) alguns livros eram cavalos fogosos, indomados, que nos levam num galope desenfreado, agarrados, de qualquer maneira, às suas crinas. Outros barcos que vogavam pacificamente nos lagos, em noites de lua cheia. Outros ainda, prisões."

A cavalo de livros e de ideias, Juliette tenta empreender a árdua tarefa de ser uma passadora de livros. À cabeça do cartel, Firouzeh e os seus enigmas, tentam revelar o que mais se pode esconder na espessura dos livros e nas pessoas que os lêem. Ainda que a resolução dos enigmas passe por deixar, a Juliette e aos leitores, mais questões do que respostas... tal como muitos livros.

"(...) no fundo, somos todos obtusos, impermeáveis às emoções de outrem, incapazes de decifrar os gestos, os olhares, os silêncios, e estamos condenados a explicarmo-nos, laboriosamente, com as palavras que nunca serão as certas."

Em busca de palavras, mas também de atitudes, pessoas e lugares, veremos Juliette partir numa estante andante, um mini-autocarro amarelo e assim deixar a porta aberta a um segundo volume. 

Este livro de Christine Féret-Fleury é um belo exemplar de biblioterapia, dá sugestões sem apontar caminhos, levanta questões com aparente delicadeza, mas atira-nos frases que nos deixam a pensar, e apresenta um enredo ternurento, que toca no quotidiano, mas dá-lhe uma capa um tanto inocente e improvável, mas afinal, os livros também são feitos para sonharmos. 



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