segunda-feira, 2 de março de 2020

«A noite em que o verão acabou», um thriller de João Tordo - Opinião

João Tordo traz-nos, ao fim de mais de uma dezena de livros, um bastante diferente da maioria dos que já escreveu. E expõe desde cedo que todos os thrillers, e crimes, se alimentam de três motivos: sexo, ambição e inveja. No entanto, há também um traço comum aos livros do autor: “A fragilidade exposta das nossas certezas” ou os fracassos adolescentes e a sua aura de irrealidade; juntamente com uma frase, que para quem leu quase todos os outros livros do outro, descreve muito bem traços das suas personagens e estabelece um fio que une todas as narrativas de Tordo:
                                                                           "O medo é um capricho dos nervosos."




Dividido entre várias décadas, a narrativa desperta no Verão de 1987, um verão húmido e desgastante, quando Pedro Taborda descobre mais do que os calores algarvios. Ele descobre as curvas e os modos atrevidos de Laura Walsh, a filha do magnata americano, Noah Walsh; mas conhece também Levi, uma criança misteriosa e meio desconexa que, um ano mais tarde, é a principal suspeita de ter assassinado o pai, de forma terrível e mesmo ao jeito de um bom escândalo como os americanos gostam de explorar. Especialmente os jornalistas, ainda mais por ter ocorrido na pequena vila veraneante de Chatlam, onde os Walsh são tão alvo de adoração como de ódios antigos.

Tordo caracteriza muito bem a família Taborda, nos seus portuguesismos exagerados quando esta se cruza com os maneirismos modernos dos Walsh, mas mais do que isso, o que atravessa todo o romance é a inquietação de Pedro por Laura e o mistério em torno da resolução apressada que é dada à morte do magnata.

O romance explora ainda o fascínio de Pedro pela escrita e pelos romances policiais, mas a literatura assume outro papel quando, em Nova Iorque, o protagonista priva com Gary List, o autor de culto que venera e quer para seu mentor. Aqui a narrativa assume outros contornos, voltando às frustrações dos autores, os sucessivos bloqueios, a busca pelo reconhecimento, o isolamento forçado, a solidão final e toda a ironia escondida nos livros. Digamos que um Tordo mais ao jeito que o conhecemos em outros livros.

Pelo enredo, de nada ser o que parece e pelos saltos temporais, mas também pelo desejo de Taborda ser escritor e privar com Gary List – o seu escritor favorito e mentor – fez-me muitas vezes lembrar «A verdade sobre o caso Harry Quebert», e o vilarejo recheado de segredos antigos juntamente com as duas irmãs recordou-me a recente adaptação de “Objectos cortantes” pela mão da HBO.
Faltou-me descobrir qual o autor que List representa para poder ir descobrir livros novos.

1 comentário :

Princess Cat disse...

Fiquei bastante interessada no livro, mas estou proibida de juntar mais algum livro à minha To Read List