quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

«O outro lado do adeus» de Ann Hood - Opinião

 


Gosto de livros sobre livros, cujo o enredo se desenvolve em torno de outros livros e por eles os personagens vivem outra dimensão das suas dores, perdas, ansiedades, lutos, desamores e claro, a redenção, o perdão e a descoberta de um outro caminho possível, tanta vez revelado pelos livros.

" Partiremos agora, para que este momento
permaneça uma memória perfeita...
Deixa que esta seja a nossa canção e pensa
em mim sempre que a ouvires."
                                                                                                Uma árvore cresce em Brooklyn, Betty Smith

Ann Hood junta as suas personagens em torno de uma selecção de livros que mensalmente são alvo de discussão numa comunidade de leitores que reúne de forma peculiar e corre atrás do simbolismo escondido em muitos livros.

Os participantes são desde cedo apresentados numa reunião de início de ano, onde Ava entra por ter pedido à sua amiga Catie para participar, como forma de espairecer as ideias e os dias depois do marido a ter trocado pela activista do tricot, de onde surge uma imagem muito adequada ao enredo que é o facto do marido ter um para-choques fofo envolto em lã, como que aplacando e diminuindo o impacto do que pudesse vir na direcção dele.

Os livros e as personagens vão se completando à medida que o grupo vai reunindo mês a mês e cada uma das partes do livro abre com citações da obra a debater, umas mais clássicas do que outras. O maior mistério gira em torno de um livro raro que acompanha todo o enredo e faz Ava regressar ao passado em busca de respostas que julgava há muito respondidas. E que ainda gritam por mais respostas com o surgimento de Hank, um polícia que na década de 70 esteve relacionado à sua família por motivos mais profundos dos que Ava sabia.

"Hank não lhe respondeu. Recostou-se na sua cadeira e aguardou. Há muito tempo que aprendera que, ao interrogar alguém, as pessoas falavam mais se ele ficasse calado. As pessoas não conseguem suportar o silêncio; têm de o preencher."

É já quase no final esta consideração por parte desta personagem secundária, mas reflecte muito bem a dificuldade e o peso do silêncio que acompanha o enredo. Ainda assim é um livro leve e fluído que nos desperta para tantos outros livros e é pena que alguns deles, referidos no início, não tenham tido mais  destaque. E tal como se pretende, dentro do género, tem um encadeamento das acções que vicia o leitor em querer saber sempre mais tornando a leitura compulsiva.

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