domingo, 27 de dezembro de 2020

«Margarida Espantada» de Rodrigo Guedes de Carvalho - Opinião


"Joana Ofélia julga que a irmã estará possuída desde sempre por aquilo que Hannah Arendt descreve como sendo o problema circular do amor - maior do que o prazer da conquista do objecto desejado é o pavor de o perder. (...) é enfrentar a ameaça constante. (...) o seu medo do que acontece a seguir, o horror expectante do que acontece a seguir. Um medo que não vêem que é, desde sempre e para sempre, o futuro a roubar-lhes o presente."

Rodrigo Guedes de Carvalho compõe um romance precisamente sobre o pavor. A dimensão do pavor até aquele mais insuportável; o da perda que se concretiza, uma perda maior que qualquer passado ou presente, a perda que põe fim a qualquer futuro: a morte.

"Cortas as correntes e libertas-te, cortas as raízes e morres."
Nas raízes que se perdem, uma atrás da outra e uma outra seguinte, agigantam a dor e o silêncio que tudo quebram e diminuem quem sofre e não vê já nada que lhe amenize a dor. 
Todos os personagens deste «Margarida Espantada» sofrem as suas dores numa solidão escolhida depois de se habituarem à solidão que lhes foi imposta. Pois apesar de a família Duval ser grande, o espaço que os envolve é maior ainda e tensão entre eles aumenta-o mais. A família Duval tem uma frieza que lhes é inerente e rosna baixinho entre eles, num conflito constante, mas com actos de violência à porta fechada. No entanto, "a desconfortável beleza de certas dores" esconde uma resiliência e até um entendimento entre os irmãos Duval que poderão ora espantar, ora confundir o leitor e isso será o melhor (ou mais esperançoso) desta narrativa, tudo o resto, é dor, aspereza e um nevoeiro espesso que entrecorta os acontecimentos, impactando-os.

"O cenário que mais aterrorizava Manuel Afonso, a histórica dimensão da frieza do pai, um mal disfarçado desprezo (...) Manuel Afonso sente dele um inaudível tenso rosnar. Um desdém. 
(...) percebe, como nunca, que assiste a uma batalha antiga, porque o pai e a mãe, suados, ofegantes, olhos inchados num desprezo, parecem organizados numa coreografia.
(...) Entendeu de uma só vez. Viu-se como as primeiras testemunhas dos testes nucleares que, apesar de avisadas e dos óculos de protecção, arregalam muito os olhos quando a bomba explode."

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Opiniões a livros de Rodrigo Guedes de Carvalho:

«O Pianista de hotel»

 


 

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