Não deixa de ser curioso que esta recente viagem por BD's e Novelas Gráficas tenha começado com Bordados e Frango com Ameixas, ambos de Marjane Satrapi e ter iniciado este ano a ler Persépolis e Neve nos Bolsos, este último de Kim.
As novelas de ambos os autores têm um cunho biográfico relatando uma parte das suas vidas em que se vêm refugiados em países como a Alemanha ou a Áustria, fruto da guerra que deflagra nos seus países de origem, segregando-lhes liberdades, tanto por motivos religiosos e ditatoriais.
É também interessante a coincidência dos estudos em Belas-Artes os ter levado até estes testemunhos, estas narrativas visuais que se alimentam precisamente dessa vocação que despertou tão cedo e é dela que se abre perante o leitor, a magia do detalhe, pois quando procuramos bem nos desenhos, são realmente esses detalhes que fazem toda a diferença.
Marjane com um traço aparentemente mais simples, remetendo para as micro expressões das caras, fazendo da expressividade a história maior.
Onde um corte de cabelo revela um estado de alma ou o detalhe de um tacho metáfora para saudades e objecto de revolta.
Kim, também a preto e branco, explora cada quadrado com tamanho detalhe que cada tira é mais que um capítulo, é toda uma cena altamente realista que nos transporta para a Alemanha branca, de neve acabada de cair e fria, de um frio que nós sentimos. O frio que entranha até aos ossos, para logo de seguida entrarmos com ele no abrigo e na caverna da arte e até podermos escutar o carvão do lápis contra o papel ou as noites de farra entre amigos.
Os amigos, essas mãos alheias que se estendem para eles. E também nisso as narrativas são comuns. Dá-se destaque à importância que o outro assume no curso das suas vidas. Sempre os outros. Os que acolhem na fuga e os que ficam. Ou os que no regresso os recebem, sendo já outros diferentes do que eram aquando da partida.
E novamente a intertextualidade entre os livros que se lêem, uns atrás dos outros, para aqui reencontrar os fantasmas da guerra, as preocupações e as críticas que escorregam nas entrelinhas de Kundera (não tanto em «A vida não é aqui» mas numa releitura de «A Ignorância») que tanto escreveu sobre esse abismo, apartando quem fica e quem parte, como se a dor tivesse uma hierarquia ou a guerra desse muito espaço para escolhas.
Foi muito interessante, sem estar sequer a fazer esse exercício, seguir estas leituras e sentir por diversas vezes a forma como se ligavam e até se completavam, independentemente de latitudes, género, causas ou lutas, porque a luta maior, a de dimensões poéticas, é a luta pela dignidade e liberdade.
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