O novo livro de Mancuso é uma apologia aos seres vivos mais vulneráveis e frágeis, facilmente esquecidos ou ignorados e cada vez mais ameaçados. O objectivo do autor é claro: demonstrar para conhecer e conhecendo, sermos incapazes de ignorar ou não defender esta nação das plantas. Uma nação da qual fazemos parte e vamos querer continuar a pertencer. Não compreendê-la é querer viver à margem, numa bolha. Mas atenção, a bolha está prestes a rebentar!
“Ao percecionarmos as plantas como algo mais próximo do mundo inorgânico do que da plena vida, cometemos um erro fundamental de perspetiva, que nos poderá custar caro. Para tentar remediar a escassa consciência que temos do mundo vegetal e a baixa estima pelo mesmo, dado que nós homens compreendemos somente as categorias humanas, este livro trata as plantas como se todas elas fizessem parte de uma nação, ou seja, de uma comunidade de indivíduos que partilham a mesma origem, história, organizações e objetivos: a Nação das Plantas. Ao olharmos para as plantas como quem olha para uma nação humana, os resultados são surpreendentes.”
“(…) os fungos têm uma biomassa seis vezes superior à dos animais (12 gigatoneladas). As plantas (450 gigatoneladas) representam mais de 80% da biomassa da Terra, e os homens, com as suas 0,06 gigatoneladas, significam uma mísera percentagem de 0,01%. É evidente que não é em virtude do nosso número que exercemos a soberania no planeta. Pelo seu número e relevância, a soberania da Terra deveria pertencer às plantas.”
Continuar a ignorar os factos sobre o peso da importância das plantas e da sua necessidade fulcral, juntamente com os actos inconscientes dos humanos e a distância mantida como se habitássemos um planeta à parte (a tal bolha), só pode, na visão de Mancuso, dar um resultado semelhante ao do horror e do mal causado pelo Holocausto. Perpetuá-lo por desconhecimento já nem sequer é aceitável, uma vez que todos os tipos de debates têm deixado claro os possíveis desfechos. Ainda assim, Mancuso sublinha:
“As afirmações de Arendt foram à época julgadas irracionais. A tese de que numa dada organização hierarquizada na qual: 1) exista suficiente distância entre a própria ação e os resultados da mesma, 2) a autoridade seja forte, 3) as relações no interior da hierarquia sejam despersonalizadas, é possível recriar o horror do Holocausto afigurou-se totalmente inaceitável para a maioria. O que Arendt escreveu escandalizou o mundo: não só o Holocausto podia acontecer novamente, como qualquer um podia ser responsável por ele.”
Mancuso não pretende chocar, mas pretende enviar um forte alerta. Somos todos responsáveis pelos danos ao planeta, essencialmente e embora não se consiga adivinhar a extensão total dos danos, não podemos ignorar o que está a acontecer diariamente diante dos nossos olhos. A militância deveria ser diária também, especialmente porque todos os anos estamos cada vez mais cedo a atingir o Earth Overshoot Day (EOD).
“Todos deveriam ser mobilizados, e se acham que estou a exagerar e não veem qualquer razão para se levantarem do sofá a fim de defenderem o ambiente e as florestas, então fiquem a saber que esta é a única e verdadeira emergência mundial. A generalidade dos problemas que afligem atualmente a humanidade, mesmo que aparentemente longínquos, estão relacionados com a ameaça ambiental e representam apenas os sintomas inofensivos daquilo que está para vir se não enfrentarmos esta questão com a devida firmeza.”
O uso e abuso de recursos já incapazes de se regenerar é uma emergência maior que todas as outras, um dano irreversível para o ecossistema terrestre e para a própria sobrevivência da espécie humana. E mesmo embora se reconheçam capacidades exclusivas e extraordinárias à Nação das Plantas, as suas estratégias de adaptação e sobrevivência não são inesgotáveis e muitas delas são fruto da característica que mais as distingue: a sua falta de movimento, que os cientistas muito têm estudado na tentativa de aplicar a outros seres vivos, no entanto, essa enorme sensibilidade está proporcional a milhares de anos de evolução e epigenética. E claro, de cooperação. E com estes exemplos de «apoio mútuo» muito se poderia aprender, uma vez que têm sido determinantes para a evolução inter-espécies e este detalhe é o mais fascinante. No obstante, a competição que existe por água e luz, a competição versus cooperação exige evolução e resiliência, gerando estratégias de sobrevivência e progresso das espécies de plantas.
Carta dos Direitos das Plantas
Artigo 1.º - A Terra é a casa comum da vida. A soberania pertence a cada um dos seres vivos.
Artigo 2.º - A Nação das Plantas reconhece e garante os direitos invioláveis das comunidades naturais enquanto sociedades assentes nas relações entre os organismos que as compõem.
Artigo 3.º - A Nação das Plantas não reconhece as hierarquias animais, fundadas em centros de comando e funções concentradas, favorecendo antes democracias vegetais difusas e descentralizadas.
Artigo 4.° - A Nação das Plantas respeita universalmente os direitos dos atuais seres vivos e os das próximas gerações.
Artigo 5.° - A Nação das Plantas garante o direito a água, solo e atmosfera limpa.
Artigo 6.º - É proibido o consumo de quaisquer recursos naturais não renováveis para as gerações futuras de seres vivos.
Artigo 7.º - A Nação das Plantas não tem fronteiras. Todos os seres vivos são livres de se deslocarem, transferirem e viverem nela sem qualquer limitação.
Artigo 8.º - A Nação das Plantas reconhece e incentiva o apoio mútuo entre as diferentes comunidades naturais de seres vivos enquanto instrumento de convivência e de progresso.